paris à go-go

crônicas sobre Paris e de sua ululante gente francesa

samedi, juillet 08, 2006

Dalida, a Musa de Montmartre

Quem passa pela esquina das ruas Girardon e Abreuvoir não fica alheio ao imponente busto de Dalida, uma das musas francesas que desde 1997 tem praça quase ao lado do château onde morou em Montmartre (além de Dalida, apenas as mulheres Joana D’Arc e Sarah Bernhardt possuem estátuas em Paris!). Dalida foi a primeira artista a receber um disco de ouro e de diamante, fez quase 40 anos de sucesso ininterrupto cantando em francês e italiano, principalmente. Gravou mais de 500 músicas francesas e italianas, 200 em outras línguas. Vendeu mais de 80 milhões de discos pelo mundo e ganhou inúmeros prêmios, incluindo 55 discos de ouro. Dalida não era francesa, nasceu Yolanda e no Egito, filha de italianos. Viveu um destino escabroso, desses que se o Ed Fukuda (bpolar.blogspot.com) escrevesse iria deletar praguejando: “ah não, isso é muito forçado!!!” Mas tenho aprendido que a vida real é muito mais absurda que a ficção e Dalida é só mais um exemplo disso.


Ainda bebê, a petite Yolanda contraiu uma terrível infecção nos olhos. Por causa disso sofreu algumas cirurgias e foi obrigada a usar óculos desde cedo. Na infância frequentou aulas de canto incentivada pelo pai, o primeiro violinista da Ópera do Cairo, e se descobriu a sua bela voz. Apesar disso cresceu complexada acreditando que os óculos a deixavam horrível. Aos 13 anos decidiu dar um basta à maldição dos 4 olhos: arremessou-os contra a janela preferindo enxergar o mundo como um borrão do que danificar a própria aparência! Fascinada pelas estrelas de Hollywood sonhava um dia ter uma vida de glamour e abandonou a idéia de ser secretária, como a família gostaria, para trabalhar como modelo no Cairo. Nesta época decidiu participar do concurso Miss Egito 1954 do qual saiu vencedora. Então as portas do cinema se abriram: foi convidada pelo diretor francês Marc de Gastyne para se tornar a morena vamp Dalida. A família relutou, chorou e esperneou para que Yolanda Christina Gigliotti não deixasse o Egito, mas ignorando os apelos chorosos a voluntariosa Miss parte para começar uma nova vida em Paris. E para desespero da mãe fervorosa, justo no dia de natal…

No início a vida não foi tão repleta de glamour assim… Sozinha, numa cidade muito diferente do Cairo, Dalida sobreviveu com parcos recursos. Mas a pré-estrela estava determinada a mudar as coisas e alguns meses depois estava cantando num cabaret da Champs Elysées e, fora o fato de que enrolava o “r” de forma exagerada, Dalida já era um sucesso. Mas a notável ainda não tinha um contrato…foi quando apareceu Lucien Morisse oferecendo a música “Madonna” e logo depois “Bambino” – que trouxe fama e fortuna instantâneas à Dalida. Tudo isso ainda em 55, apenas alguns meses depois da sua partida do Egito. 56 foi o ano do triunfo: abriu o show de Charles Aznavour e colocou o Olympia abaixo com o sucesso “Bambino”. Foi capa de várias revistas francesas e embarcou para uma tour extensa. Sua fama se espalhou para o resto da Europa e de volta å Paris gravou outro single sob a supervisão de Lucien Morisse. O casal alimentava um romance em intermináveis horas de trabalho, mas Morisse ainda não havia se divorciado da esposa e Dalida estava cansada de esperar por um anel de noivado. Após longos anos de hesitação o casal finalmente se casa, mas algumas semanas após as bodas Dalida aterrissa em Cannes para um concerto e se apaixona por Jean Sobieski. O cantor, obviamente, joga o casamento de Dalida para cima do telhado… E apesar de ela reconhecer que devia muito à Morisse, pondera que o mais importante da sua vida é a independência. Morisse se recusa a aceitar, mas é forçado a aceitar os fatos…

No verão de 62 Dalida está no topo das paradas com o single “Petit Gonzalez” (clássico absoluto da cantora). Nessa época compra seu famoso château em Montmartre, perto da Sacré Cœur, da onde se tem a melhor vista de Paris. A mansão, na época chamada de Castelo da Bela Adormecida, poderia ter sido um refúgio tranquilo para Dalida viver pelo resto de sua vida com o seu príncipe encantado, mas, entretanto, contudo, assim que se mudou para a nova casa Dalida rompe com Sobieski e sofre uma mudança radical de imagem, metamorfoseando-se de morena para uma loura estonteante. Esse novo visual coincide com uma fase musical mais sofisticada; mas enquanto sua carreira é só sucesso, a vida sentimental continua triste - a princesa volta ao seu castelo de fadas sozinha todas as noites.


Mas eis que em 66 uma gravadora italiana apresenta um talentoso e jovem compositor para a bombshell, Luigi Tenco. Eles se apaixonam à primeira vista e começam a passar bastante tempo juntos trabalhando numa música para o Festival de San Remo. Completamente apaixonados causam comoção ao anunciar o casamento relâmpago e decidem que se apresentarão juntos no festival cantando a versão que fizeram para a música “Ciao Amore”. Infelizmente San Remo é uma catástrofe porque nenhum dos dois imaginava não ganhar o prêmio e Luigi fica histérico. Bêbado insulta os membros do júri acusando-os de corruptos. Assim que volta para o hotel se suicida… Dalida, devastada pela morte de seu amor tenta se matar engolindo pilhas de barbitúricos.

Após o funesto episódio a viúva começa a procurar explicações para as tragédias da sua vida: devora livros de filosofia e se torna devota de Freud. Começa a praticar ioga e meditação, viaja para o Nepal, estuda a religião Hindu, vai para a Índia seguir os ensinamentos de um guru, faz análise com um psiquiatra junguiano em Paris – é uma fase intensa de auto-conhecimento.

Em 70 lança o enorme hit “Darladiladada” e grava o clássico “Avec le Temps”. Em setembro um novo drama sobrevém: seu ex-marido e empresário, Lucien Morisse, se mata com um tiro na cabeça… Em 72 ela aparenta ter adquirido um novo grau de serenidade e grava com o amigo Alain Delon “Parole Parole” (adaptação francesa para uma conhecida música italiana). O renascimento da cantora impulsiona sua vida pessoal - um novo admirador cai a seus pés, Richard Chanfray, que preferia ser chamado de Conde de Saint Germain. Aparentemente um impostor, longe do título que ostentava, Chanfray era totalmente devotado pela deusa platinada e dava a Dalida um novo sentido para a vida. O romance põe fim às viagens para a Índia e sua intensa busca de espiritualidade.

Mas como dizem, “sorte no jogo, azar no amor”, enquanto sua carreira continuava estelar, a vida pessoal era um buraco negro. A separação de Richard Chanfray foi extremamente dolorosa e Dalida se afundou no trabalho para tentar esquecê-lo, afinal era o primeiro homem que a deixava. Passados 2 anos a carreira da cantora é dominada por rumores de um affair com o então presidente da França, François Miterrand. Ela decide que é hora de se afastar do país e parte para uma longa turnê mundial que a deixa longe de Paris por 12 meses. Quando retorna à França vai direto para o estúdio gravar um novo álbum, as fofocas em torno dela e Miterrand haviam se dissipado, mas a sua popularidade na França já não era a mesma... E quando se recuperava desse episódio recebe outro duro golpe: seu último amor, Richard Chanfray, havia se suicidado em Saint-Tropez. Arrasada pela morte do Conde, a formosa parece perder o entusiasmo de viver e se entrega a uma letargia profunda. Dalida começa a ter surtos de desconfiança e a sofrer de perda de memória.

Em 84 parte para uma série de apresentações na Árabia Saudita, mas é obrigada a interrompê-la para se submeter a duas cirurgias oculares. Agora parecia que nada mais mudaria em sua vida pessoal. Seus relacionamentos frustrados continuavam e ela aparentava não ter forças para superar a depressão. Em 3 de maio de 87 a diva decide pôr um fim à sua vida tomando uma overdose de pílulas para dormir, a Bela Adormecida finalmente cai em sono eterno. Dalida, que encontrou consolo de seus dramas pessoais apenas nos braços dos fãs deixa um bilhete: “Perdoem-me, mas a vida é insuportável para mim.”


Dizem que a sua alma perturbada vaga por Montmartre e eu tenho pena de Dalida!!!
Rezem por ela!