paris à go-go

crônicas sobre Paris e de sua ululante gente francesa

dimanche, juillet 09, 2006

O caso do chiclete

Ah, os franceses, que gente estranha! Uns amores, gente boníssima, glamourosa e refinada, mas que hábitos cultivam e que são herdados de geração a geração tal como um gene defeituoso! Muitas vezes, confesso, fico horrorizada, hahahaha!



Dia desses, num programa de auditório, aconteceu algo que exemplifica bem o tipo de relação que os franceses têm com a sujeira, ou seja, eles convivem bem e sem medo. Obviamente a temperatura baixa durante quase metade do ano alivia as terríveis consequências dessa, digamos, “excentricidade” francesa. Fosse essa peculiaridade também cultivada no Brasil e estaríamos todos mortos, atacados exaustivamente por diabólicos vírus, fungos e bactérias que proliferariam descontrolados sob a proteção da temperatura tropical e não sobraria ninguém confiável para escrever o nosso melancólico juízo final.

O dono do programa em questão é Sebastian Cauet, um apresentador com quase 40 anos, baixinho-gordinho-careca, que faz muito bem várias imitações e além disso é um bom entrevistador, do tipo que contorna qualquer saia-justa e consegue descontrair até o mais mal-humorado dos convidados. Na França é comum aparecer nos programas personalidades ranzinzas ao extremo e gente caindo de bêbada e quando eu digo “caindo” não é força de expressão! E uma pessoa nessas condições não é nada fácil de se entrevistar, mas ele se sai bem. Um aparte: vi uma entrevista dos anos 70 inacreditável com um dos reis da geração Beat, Charles Bukowski. Ele estava tão bêbado que não conseguia ficar sentado nem de olhos abertos, ele escorria pela poltrona. Detalhe: ele estava com uma garrafa de whisky na mão, hehe. Era uma conversa com intelectuais franceses que a uma certa altura cansaram de disfarçar que estava tudo bem porque não tinha possibilidade do Bukowski falar e até jogaram água na cara dele! Mas nada… o poeta estava “pra lá de oeste” como os franceses costumam dizer. Rindo, os intelectuais encerraram a entrevista enquanto Bukowski ressonava na poltrona. E outra coisa que é comum de acontecer aqui é do entrevistado cuspir no chão, seja ele quem for. Imagine a cena do Edgard entrevistando alguém no estúdio da MTV e no meio da falação o cara vira pro lado, cospe e continua da onde parou sem pedir desculpas nem nada! Não tem a menor condição!!!

O programa do Cauet é divertido e tem até momentos “Hermes&Renato”, com quadros que não medem o ridículo e que fazem piada de absolutamente qualquer personalidade, seja ela do meio que for e o melhor: na frente dela! (eles só ficaram com medo de apanhar do faixa-preta Steven Segall, mas fora isso sempre detonaram na cara-de-pau com todo o mundo!). Estrelas de Hollywood e do mundo todo passam por lá: Angelina Jolie, Colin Farrell, Penelope Cruz, Pink e Robin Willians são alguns dos que estiveram recentemente. No dia em que a ex-Sporty Spice foi divulgar o trabalho solo eles fizeram uma cover das Spice Girls de chorar de rir. E a pobre Melanie C ali, tendo que achar graça, hahahaha! E ela não estava achando nenhuma, hehe. O pior é que eu nunca tinha percebido que a voz dela é I-D-Ê-N-T-I-C-A a da Karen, a super-perua do “Will & Grace”!!! Não sei como ela consegue disfarçar aqueles agudos cantando, deve ser mais um capítulo da surpreendente série “O Mundo Maravilhoso e Fantástico da Tecnologia”, hehe. Os “irmãos” franceses de Hermes&Renato já ficaram completamente sem roupa no palco e não cansam de beijar os convidados na boca. Aliás, beijo na boca entre homens neste programa é a coisa mais comum, rola sempre. A dupla simplesmente não têm limites e eu adoro, afinal fiquei orfã de “Hermes&Renato”, snif, snif.

Mas como todo brasileiro que se preze, pobre e subdesenvolvido mas acima de tudo limpinho, fiquei chocada com o que aconteceu num dos programas. Cauet, no meio de uma entrevista com 2 comediantes, repara que tem um chiclete no chão. Ele pára a entrevista e reclama brincando, claro, porque francês que é francês nunca reclama de sujeira, eles simplesmente dizem “c’est normal!” mesmo que você aponte para um relevo de 5 centímentros de sujeira incrustada no chão, obra do tempo e da falta de preocupação com a limpeza… Eu preciso desabafar e contar do dia em que a torneira de água quente da pia da cozinha queimou e o eletricista teve que afastar a máquina de lavar que é embutida na parede… Tinha de tudo lá atrás, não sei como faltavam ratos, eles simplesmente não devem ter sobrevivido! Pilhas de canudos usados, 3 xícaras de porcelana com café seco, guardanapos engordurados, pratos de papel com restos de comida, talheres sujos!!! Eu horrorizada com tudo aquilo e o eletricista com cara de tédio: “c’est normal, c’est normal”!!! Deus do céu, eu é que não encosto nessa gente!

Bom, antes que eu perca o fio da meada que a essas alturas já ficou encardida, Cauet diz rindo que a limpeza do estúdio está cada dia pior e pega do chão algo duro e descolorido, o bagaço daquilo que já foi um chiclete. Repentinamente o apresentador louco de pedra coloca o chiclete na boca e começa a mascá-lo sob os aplausos desmedidos do auditório. Então tira a goma reavivada da boca e oferece para um dos comediantes que gentilmente recusa porque está com uma afta. A platéia vaia e o humorista arremessa o chiclete em direção a ela. Um dos espectadores se levanta e consegue pegar o chiclete, bota na boca sem hesitar e é ovacionado. Então, para espanto de todos, o chiclete vai sendo passado de boca em boca, cada um masca aquele pálido naco de goma com um sorriso de orelha a orelha e passa ao próximo como se fosse algo sagrado e aquele um momento de comunhão. O público em volta delira enquanto eu me contorço no sofá boquiaberta! Quando a fileira da promiscuidade chicletícia termina, o outro comediante que não está com afta pede para a última pessoa jogar o chiclete para o palco. Então ele agarra o chiclete-super-star responsável por essa catarse, masca com vigor por alguns segundos e… ENGOLE! Abre a boca, levanta a língua para provar o feito, diz que ama a todos e que agora aquela “grande saliva coletiva” vive dentro dele! Todos aplaudem de pé e gritam emocionados! Cauet engasgando de tanto rir abraça efusivamente o dono da “grande saliva coletiva” e entram os comerciais.



Após esse momento digno de um espetáculo teatral do Zé Celso eu tento me recompor, mas me faltam séculos de cultura pra isso… Enfim, os franceses são assim, gente desprendida, gente imprevisível… Cuidado com eles e depois lave sempre muito bem as mãos, HAHAHAHAHA!