paris à go-go

crônicas sobre Paris e de sua ululante gente francesa

mardi, octobre 03, 2006

Os Apuros de Balenciaga

Quem passar por Paris até o final de janeiro não pode deixar de visitar Cristóbal Balenciaga, no Musée de la Mode et du Textile, parte do complexo do Louvre. A exposição está linda e impecável, com vestidos marcantes do estilista expostos à meia-luz. E o melhor: em vários tamanhos! Porque as mulheres têm corpos diferentes e um estilista primoroso precisa saber como deixar uma forma menos delicada elegante. Cristóbal sabia a mágica e a prova está nas vitrines que exibem cerca de 160 peças onde estruturas delgadas acompanham outras decididamente robustas. E são vestidos de condessas, atrizes famosas, mulheres da alta-sociedade, princesas e rainhas. Cristóbal vestiu todo o tipo de corpo com o mesmo esmero!

Um pequeno porto pesqueiro, na cidade basca de Guetaria, foi onde Cristóbal nasceu e passou a sua empobrecida infância. Filho de um pescador e de uma costureira, ele se encantou com o trabalho da mãe, sua primeira professora e incentivadora. E o seu talento era tão especial que, aos 12 anos, desenhou um elegante vestido para a marquesa que morava na mesma cidade de pescadores, mas num palácio que mal cabia em seus olhos de criança. A Marquesa de Torres, apaixonada pelo vestido, se tornou sua grande aliada na carreira como estilista. Cristóbal, então, começou a frequentar o ateliê de um alfaiate de Madri, onde aprendeu os fundamentos da profissão.

A experiência adquirida na alfaiataria permitiu que o purista e classicista Cristóbal, não só desenhasse os seus modelos, mas também os cortasse, armasse e costurasse, o que não é comum entre os estilistas, em geral eles apenas desenham as suas criações. Já repararam como estilistas costumam se irritar quando alguém pergunta se eles costuram? Ofendidos como cães expulsos de igreja eles gritam: EU NÃO SOU COSTUREIRO!!! Balenciaga o era, além de ser ambidestro com tesouras e agulhas. Madame Coco Chanel dizia: “só Balenciaga é um costureiro de verdade, só ele é capaz de cortar bem um tecido, montá-lo e costurá-lo à mão”.

Em 1915 abre a sua primeira maison, em San Sebastian, cidade vizinha à Guetaria. Visita Paris regularmente e compra modelos de Elsa Schiaparelli e Madeleine Vionnet, dos quais estuda a construção. O sucesso não demora e, em pouco tempo, muda-se para Madri. Nesta época ele possuía duas butiques na capital espanhola e uma outra em Barcelona. Vestia, entre outros, membros da família real, da aristocracia espanhola e de Francisco Franco, o ditador cuja amizade deve tê-lo salvo de maus momentos em sua terra natal. Cristóbal era gay e partiu da Espanha antes da Guerra Civil começar. Hitler apoiava Franco, o fascismo não aprovava homossexuais, a Espanha fingia ser neutra mas estreitava os laços com o Führer, enfim o mundo começava a se transformar no inferno que desencadearia a 2ª Guerra Mundial. Cristóbal se refugiou em Londres, mas não por muito tempo, o seu destino era Paris, onde permaneceu até 1968.

Com dinheiro oferecido por alguns amigos, ele consegue abrir a sua famosa maison na avenue George V. Contava 42 anos e era um homem discreto, exigente, de charme irreparável e elegância refinada. Em 1937 apresenta a sua primeira coleção e uma década antes do “New Look”, de Christian Dior, que também revolucionaria a moda, as suas criações ganhariam a clientela de ricos e famosos ao redor do mundo. Balenciaga vestiu, entre tantas outras notáveis, a Rainha da Bélgica, a Duquesa de Windsor, a Princesa Grace de Mônaco, Jacqueline Kennedy e Audrey Hepburn, que viria a se tornar a musa incontestável de Hubert de Givenchy.

Desde as suas primeiras coleções, este autodidata impôs o seu estilo pela perfeição de seu corte, que se tornou lendário. A base de suas criações repousava em linhas clássicas. Criou várias silhuetas para a mulher, experimentou proporções e cores sempre com resultados surpreendentes, até dramáticos. Influenciado pela cultura de seu país, Cristóbal se inspirou e impregnou seus modelos de Espanha: capas de toureiro, vestidos de “infanta” (as jovens princesas espanholas), a audácia na cartela de cores que abraçava do negro profundo às tonalidades levemente ácidas. Por sua arte singular ganhou o título de “Rei da Couture Parisiense”.

Foi patrão e mestre de André Courrèges e Emanuel Ungaro, amigo de Hubert de Givenchy. Celebrado por todos os seus colegas como símbolo de perfeição, empregou toda a sua vida para explorar as técnicas de costura que ele possuiu no mais alto grau. Christian Dior, seu concorrente famoso, o chamou de “mestre de todos nós”. Balenciaga, severo, gostava de dizer: “um bom costureiro deve ser arquiteto para os projetos, escultor para a forma, pintor para a cor, músico para a harmonia e filósofo para as medidas”. Ele jamais concedeu uma única entrevista, jamais permitiu que a imprensa fotografasse os seus desfiles, era um homem espartano que nem relógio usava. Parece que se entusiasmava com os belos alemães que cercavam Paris. Como culpá-lo?

Em fevereiro de 1968, após ter apresentado a sua última coleção, Cristóbal fecha com discrição a sua maison em Paris e parte rumo à aposentadoria, na Espanha. Dizem que a estilosa e très chic Condessa Mona Von Bismarck, chorou lágrimas de sangue durante 3 dias e 3 noites com gana de se matar, só em pensar que o seu invejável e faustuoso closet estaria desamparado sem Balenciaga. Na exposição vários são os vestidos de seu acervo pessoal.

Cristóbal Balenciaga morre aos 77 anos, em 1972, na costa espanhola do Mediterrâneo, logo após entregar a sua última criação: o vestido de casamento da Duquesa de Cádiz, neta de Francisco Franco. Uma antiga e saudosa cliente oferece como epitáfio: “as mulheres não precisavam ser perfeitas ou belas para vestir as suas roupas, suas roupas as tornavam perfeitas e belas”.

Guetaria, a cidade que o acolheu no primeiro respiro, também abrigará o seu museu, no Palácio Aldamar, a partir do ano que vem. O palácio, antiga residência dos Marqueses de Casa Torre (pais da Rainha Fabiola da Bélgica), foi onde Cristóbal Balenciaga arrematou o seu primeiro passo no mundo da alta-costura e para onde retorna como único e eterno soberano.