o muro de Kathrina

isso tudo me lembrou de Kathrina, minha colega de classe que tinha 17 anos em 1989, ano em que o muro caiu. ela, que morava do lado oriental, em Leipzig, me disse que ao mesmo tempo em que todos estavam eufóricos, tirando a roupa de felicidade (diz que fazia um frio infernal!), também estavam apreensivos, porque achavam que o pior poderia acontecer, que o muro não poderia cair simplesmente e tudo ficar bem, afinal a vida tinha sido bem rancorosa naqueles tempos de Guerra Fria. segundo ela, nada lhes faltava, mas ao mesmo tempo eles não tinham autorização para trocar de carro quando bem entendessem (isso significava ficar com o mesmo por quase 20 anos), e nem de viajar ao exterior, a não ser que o destino fosse um dos países da cultuada cortina de ferro. mesmo assim, pessoas acima dos 40 anos dificilmente conseguiam permissão para deixar o país. Kathrina me disse que eles desconfiavam de tudo e de todos, que essa era a doença. que eles conheciam os vizinhos de vista, que jamais a conversa ia além do "bom dia" e do "boa noite" porque qualquer palavra diferente poderia ser motivo para uma denúncia. quando as minhas aulas terminaram, em 31 de julho, a menina naturalista até o último fio de cabelo alvo e que levava cenouras para roer no lanche, já estava quase parindo seus gêmeos que se incomodavam com Edith Piaf. era só a professora botar a voz da francesa pra tocar que eles se exaltavam e faziam da barriga da mãe um ringue de boxe. Kathrina iria os ter em casa, aqui mesmo em Paris, onde se casou com um francês que conheceu na Colômbia, e só depois iriam todos para o hospital. agora ela já deve ser uma canguru.
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