paris à go-go

crônicas sobre Paris e de sua ululante gente francesa

dimanche, juillet 09, 2006

A Pré-História do Videoclipe

Que o videoclipe nasceu com o Queen todo o mundo já sabe, mas e o ancestral do videoclipe? A semente que deu origem a essa “cereja” da música que não pára de nos surpreender? Anos e anos trabalhando sob o teto da MTV, templo maximo do videoclipe, e eu não sabia… Precisava mudar para Paris, conhecer um californiano apaixonado pela música francesa dos anos 60 e conhecedor como poucos da sua história para saber que o antepassado do videoclipe é pura criação local! Vou me chicotear um pouco e já volto, hehe.

Voilà! Tudo começou com uma mulher, a empresária e produtora independente de espetáculos Daidy Davis-Boyer. Ela que sempre apoiou e alavancou a carreira de inúmeros artistas desde os anos 40, atravessou vários estilos da música francesa e foi responsável por turnês de Edith Piaf e Charles Aznavour, por exemplo. Farejadora incansável de talentos, a produtora tinha verdadeira paixão pelo universo musical e pensava obstinadamente num meio mais criativo para promover os artistas que empresariava. E a mansão de Daidy, batizada de “Villa Relâche” (algo como “Casa de Folga”), teve importância crucial nesta história: os artistas tinham trânsito livre na casa e geralmente ficavam por lá algum tempo aproveitando as mordomias e mimos de Daidy. É num destes momentos que a empresária tem a idéia de filmá-los despretensiosamente, numa atitude natural, no jardim da casa, na piscina, na garagem ou dentro da mansão, dublando as próprias músicas.



Enquanto isso aparecia nos cafés franceses o Scopitone, uma máquina parecida com uma juke-box que acompanhava um projetor de cinema no formato de 16mm. Os primeiros modelos foram feitos na França no início dos anos 60 e logo depois o Scopitone tomou a Europa, particularmente a Alemanha e a Inglaterra. Pelo preço de uma entrada de cinema os clientes dos cafés podiam assistir na pequena tela do que se parecia com uma televisão em cores (só havia aparelhos em preto&branco) os “filminhos” com as estrelas da época. Pétula Clark (a Shirley Temple da Inglaterra), o inigualável Jacques Brel, Sylvie Vartan (mãe do ator Michael Vartan, o Vaughn do seriado “Alias”) Johnny Hallyday (uma espécie de Erasmo Carlos francês e sucesso até hoje) e mesmo Brigite Bardot, que também se aventurou na carreira de cantora, são alguns dos artistas que foram vistos à exaustão nas telinhas do Scopitone.



Daidy, então apelidada de “Mamy Scopitone”, decide explorar este tipo de mídia e convence as gravadoras da importância de produzir os filmetes para divulgar suas estrelas. Sinal verde conseguido, Daidy inunda o mercado Scopitone com os seus “clipes”. Até 1979, data em que a máquina foi retirada do circuito para virar objeto de coleção e de museu, essa pioneira do mundo musical que revolucionou o jeito do público ver o artista, tirando-o do palco e colocando-o em outras situações, lançou cerca de 2 mil “clipes”.



Mas se Daidy dirigiu a maior parte dos “clipes-Scopitone” existentes, alguns diretores de cinema em início de carreira também entraram nessa brincadeira. Um dos grandes talentos que começou assim foi Claude Lelouch, que entre outros fez o antológico “Um Homem, Uma Mulher” (1966). Ele dirigiu cerca de 80 “clipes”, ora contando uma história a partir da letra da música, ora fazendo um roteiro surreal (os meus preferidos), reaproveitando cenários de filmes ou usando as ruas de Paris; Lelouch fez de tudo e com todos os astros a baixíssimo custo e sempre em poucas horas! Aliás a praxe daquele tempo, ninguém tinha dinheiro ou podia gastar com isso, conceito que só mudaria, obviamente, nos Estados Unidos. Quando o Scopitone atravessou o Atlântico, na metade de 64, seu fim estava próximo. Perdeu a “inocência”, ganhou recursos e qualidade técnica, mas não sobreviveu aos anos 70. Morria tranquilo assistindo ao nascimento de “Bohemian Rapsody” (1975) certo de que sua missão havia sido cumprida. Os dias de ouro do Scopitone foram de 1962 a 1965 apenas, mas deixaram um tesouro de 1800 títulos registrados em catálogo.



O videoclipe tem um belo passado e uma longa vida pela frente. Saudações à Mamy Scopitone!