paris à go-go

crônicas sobre Paris e de sua ululante gente francesa

dimanche, juillet 15, 2007

corrente literária

o cinemaníaco Sergio do kino crazy me convidou pra continuar a corrente literária que ele entrou por conta de um amigo que ele diz ser idôneo. como não posso pôr a mão no fogo por Sergio (hehe), mas sou amiga da bibliotecária de um acervo de línguas mortas onde ele cataloga filmes orfãos, o rolo se fez e eu também entrei na corrente.

5 é um número pequeno para o universo de escritores talentosos e singulares que eu tive oportunidade de ler. é certo que muitos influenciaram a minha vida em algum momento; outros serão eternas fontes de inspiração. os que eu listo abaixo são os que rondam a minha memória aqui em Paris:

eu já havia lido "Admirável Mundo Novo" quando decidi comprar "A Ilha", isso no meio dos anos 80. para uma definição simples, um é o oposto do outro: no primeiro a sociedade é retratada de forma automatizada e desprovida de emoções, no segundo a filosofia paz&amor impera, mas com o olhar crítico e visionário de Aldous Huxley. o fato é que "A Ilha" ressuscitou na minha vida quando o Dharma do "Lost" começou a aparecer. a sociedade utópica de Pala, que começa a desmoronar quando o herdeiro do trono Murugan faz um pacto com "os outros", que encarnam a modernização da sociedade e o fim dos ideais hippies, assim como entre Ben e Jack, é o sinal de que não há mais futuro para qualquer uma das ilhas... eu creio que, lido hoje, o livro soe como datado, mas houve uma época, não muito distante, em que o mundo acreditava piamente em utopias...

"Flashbacks" é autobiográfico e pleno de ação, assim como viveu Timothy Leary. eu lembro de ter devorado o livro e acompanhado como uma fanática noveleira as drásticas mudanças psicológicas que o então caretésimo professor das conceituadas universidades de Berkeley e Harvard foi produzindo em si mesmo com as suas experiências psicodélicas. além de ser um documento sobre a sua vida, "Flashbacks" também apresenta personagens da cultura pop mundial que atravessaram o caminho do pai da contracultura, como Jack Kerouac, Charles Manson e John Lennon. experiências com drogas, sexo livre, prisões, fugas espetaculares, amores, inimigos e aventuras realmente incríveis compõem o fio que nos seduz em suas 400 páginas. empolgante no último!

sou apaixonada por Edgar Allan Poe, gosto de tudo dele, tanto da veia poética quanto da prosa. sua alma atormentada e vítima de terríveis depressões foram o combustível de sua escrita romântica e fantástica. um dos precursores do Simbolismo, fascinado pela morte e por todos os temas de mistério, ele deixou um legado fascinante. "Histórias Extraordinárias" é uma seleção com os seus melhores contos, estilo em que ele é rei, um rei gótico bien sûr! "O Gato Preto" me deixa em suspense todo o tempo e o final renova meu medo toda vez que o releio. "Ligéia" é um conto de fadas às avessas, uma Bela Adormecida fantasmagórica que me encanta e me faz sofrer, Tim Burton conhece bem. e o que falar de "Annabel Lee"? (não consta na coletânea) durante um tempo eu soube decor e salteado o belo poema, o último que ele escreveu em homenagem à sua amada, primeiro prima e aos 13 anos esposa, morta 2 anos antes dele.


"O Horla" foi o último livro que li. neste conto, Guy de Maupassant trata do mesmo universo de horror e mistério imortalizado por Edgar Allan Poe, mesmo assim é imperdível! quando Guy escreveu "O Horla", a sífilis o consumia com avidez, corpo e mente estavam comprometidos e ele vivenciava sofrimentos e alucinações terríveis. o livro é a visita constante de Guy no túnel de passagem, é o embate diário com o seu fantasma pessoal que o tornava mais demente, encontro após encontro. nesta fase extremamente dolorosa, o escritor tentou a morte sem sucesso, a amante caprichosa veio buscá-lo alguns dias antes de Guy completar 43 anos. ele está enterrado no cemitério de Montparnasse, onde gira o moinho que eu ilustro no post "Francis, o estripador de Paris".

"Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres" me inspira até hoje. eu o li na metade dos anos 90 e foi muito marcante, uma revelação, algo inexplicável, bem como os feitiços que a escritora gosta de fazer com os seus leitores que permitem esta perigosa aproximação. a história de amor entre os professores Lóri e Ulisses parece comum, nada especial os diferencia de outros casais. no entanto, os questionamentos da personagem sobre o amor que cresce dentro dela são pura filosofia Clariciana. a feiticeira das letras sempre me instiga a crer que viver de verdade, sem armaduras, é penosamente difícil, viver o amor com plenitude então, é uma tarefa ainda mais árdua e espinhosa. estamos sempre correndo riscos, na vida e no amor, apesar de nos defendermos deles com unhas e dentes, mas talvez esta não seja a mágica da vida e este é o grande ensinamento do livro.

agora estou curiosa pra conhecer as dicas da minha talentosa cunhada e escritora sensível delfuego, do impostor Ronaldo Bressane, que mima as letras como eternas namoradas, da menina-Malagueta literorragia, do destemido oh me blaargh!, que já foi homem-lixo, mas é sempre um charme e, para completar a lista, o insistente admirador da
Gena Rowlands, o teimoso terceiro molar.