paris à go-go

crônicas sobre Paris e de sua ululante gente francesa

mercredi, septembre 19, 2007

Karl Lagerfeld: o senhor dos iPods

“Lagerfeld Confidentiel”, documentário de Rodolphe Marconi sobre o Kaiser da moda, estréia nos cinemas franceses dia 10 de outubro e promete revelar um pouco mais sobre a figura excêntrica e sempre pronta a disparar comentários ácidos. filho de pai escandinavo e mãe alemã, Karl veio pra Paris com 19 anos e nunca perdeu o sotaque germânico! começou como assistente de Pierre Balmain e está a frente da Chanel desde 1983, além de ter as suas próprias marcas, K e Karl Lagerfeld. criador, fotógrafo, autor, editor e apaixonado por música, ele jura que quer ser apenas como uma aparição na vida das pessoas… mas a verdade, atrás dos seus inseparáveis óculos escuros e anéis de metaleiro, ele procura ansiosamente nos livros de sua imensa biblioteca. desconfio.


Por que você aceitou ser o tema do filme?

É o que eu me pergunto! Por insistência e porque eu achei que o diretor tinha uma visão não muito banal. E o resultado é bastante bonito, um tanto estético mesmo. Ele só me mostra dentro de jatos, na noite… mas quando se trabalha?!?

Então, na sua vida você nunca pára?

Sim, mas ao mesmo tempo, não é muito necessário que se veja isso porque é super cansativo pessoas que te atordoam dizendo: “Eu trabalho!” Se vende a estupidez e a felicidade, não se vende as memórias de Kierkegaard!

O que você tem a dizer sobre as tendências de inverno?

Eu já estou no verão. O inverno é uma coisa que eu já esqueci, porque o meu grande truque é esquecer para refazer.

Você não corre o risco de fazer a mesma coisa?

Eu não sou cego e meus colaboradores não são mudos, eles me dirão. A gente pode discutir. Um dia, um outro criador me disse: “Você sabe, se a gente faz qualquer coisa que os outros têm o costume de fazer, ainda será muito melhor que a média!”. E assim se é feliz, hein? Claro que estas anedotas seriam mais picantes se eu desse os nomes, mas deixa pra lá…

Você pode dar o nome dos colegas que você aprecia então…

Eu não gosto muito das pessoas da minha geração porque elas são meio gagás e um pouco entediantes; fora Armani, Oscar de La Renta e Valentino. Mas eu gosto muito da nova geração, os que têm 30, 40 anos, eles são divertidos. Tom Ford me faz rir.


O que você pensa da moda masculina?

Isso me interessa no que diz respeito ao que eu visto, mas, infelizmente, eu não acredito num criador de camiseta e jeans surrado que faz vestidos de 5000 euros.

É por isso que você se veste sempre do mesmo jeito?

Nunca são as mesmas coisas, mas é o look que faz que, em mim, tudo se pareça igual. Eu fiz de mim uma espécie de Charlie Chaplin do cotidiano. As pessoas acreditam que é super estudado, mas é uma sucessão de acasos.

Você veste as roupas que você cria, da marca K, por exemplo?

Sim, eu adoro. Quando se faz moda masculina não há melhor maneira de assumir do que vestindo suas próprias roupas. Mas eu não vou desenhar só pensando em mim porque eu não sou um exemplo. Eu sou, de qualquer modo, um pouco à parte, francamente.

Quem é para você um ícone absoluto em se tratando de moda?

Se eu dou um nome todos os outros vão ficar magoados. Além disso, eu começo a ficar um pouco de saco cheio dos ícones do passado. É absurdo pensar que era melhor antes.

No entanto, você também é um ícone, não?

Sabe, eu não acordo dizendo pra mim: “Uau, o ícone se desperta!”. O ícone fica resfriado e tem dor de barriga como todo o mundo. E no segundo que você pensa que é um ícone, você está perdido! Eu sou um animador de marionetes.

O que você deseja que se retenha de você?

Isso me deixa louco, eu não sei. “Retiens la nuit” não é o nome de uma música? Eu não sei. Você retém o que você quer. Retenção de água! (risos)

No documentário se vê que você possui 60 iPods. Você sabe o que tem em cada um deles?

Eu já tenho mais do que isso agora. É um belo objeto. Hoje, quando se vê um Walkman que se acha genial quando é lançado, se tem a impressão que é uma máquina de lavar! Eu coloquei todos os meus cds em iPods – isso já completou quase uma centena! – e, depois, eu os pego por acaso, o que me permite de redescobrir coisas que eu não iria jamais procurar.

Você possui também mais de 300 mil livros. Como você explica esta bulimia?

Eu quero saber tudo, conhecer tudo, estar informado de tudo. É uma espécie de oportunismo intelectual e de frenesi frívolo, pode ser artificial, mas no final das contas eu sou mais cultivado ou instruído que a maior parte das pessoas que fazem o métier.

Uma palavra de conclusão?

Não é necessário jamais concluir, já que a luta continua. Mesmo se a gente combate os moinhos de vento, como Dom Quichote… A moda é isso. É o barril das Danaides, uma luta onde não há vitória.

Não é um pouco fútil tudo isso?

Dar a aparência de futilidade não é a futilidade. A moda sustenta muita gente. É um produto como outro, um produto visível, um produto de desejo e é isto o que faz o seu lado excitante…

* entrevista concedida à Fabien Menguy

dimanche, juillet 15, 2007

corrente literária

o cinemaníaco Sergio do kino crazy me convidou pra continuar a corrente literária que ele entrou por conta de um amigo que ele diz ser idôneo. como não posso pôr a mão no fogo por Sergio (hehe), mas sou amiga da bibliotecária de um acervo de línguas mortas onde ele cataloga filmes orfãos, o rolo se fez e eu também entrei na corrente.

5 é um número pequeno para o universo de escritores talentosos e singulares que eu tive oportunidade de ler. é certo que muitos influenciaram a minha vida em algum momento; outros serão eternas fontes de inspiração. os que eu listo abaixo são os que rondam a minha memória aqui em Paris:

eu já havia lido "Admirável Mundo Novo" quando decidi comprar "A Ilha", isso no meio dos anos 80. para uma definição simples, um é o oposto do outro: no primeiro a sociedade é retratada de forma automatizada e desprovida de emoções, no segundo a filosofia paz&amor impera, mas com o olhar crítico e visionário de Aldous Huxley. o fato é que "A Ilha" ressuscitou na minha vida quando o Dharma do "Lost" começou a aparecer. a sociedade utópica de Pala, que começa a desmoronar quando o herdeiro do trono Murugan faz um pacto com "os outros", que encarnam a modernização da sociedade e o fim dos ideais hippies, assim como entre Ben e Jack, é o sinal de que não há mais futuro para qualquer uma das ilhas... eu creio que, lido hoje, o livro soe como datado, mas houve uma época, não muito distante, em que o mundo acreditava piamente em utopias...

"Flashbacks" é autobiográfico e pleno de ação, assim como viveu Timothy Leary. eu lembro de ter devorado o livro e acompanhado como uma fanática noveleira as drásticas mudanças psicológicas que o então caretésimo professor das conceituadas universidades de Berkeley e Harvard foi produzindo em si mesmo com as suas experiências psicodélicas. além de ser um documento sobre a sua vida, "Flashbacks" também apresenta personagens da cultura pop mundial que atravessaram o caminho do pai da contracultura, como Jack Kerouac, Charles Manson e John Lennon. experiências com drogas, sexo livre, prisões, fugas espetaculares, amores, inimigos e aventuras realmente incríveis compõem o fio que nos seduz em suas 400 páginas. empolgante no último!

sou apaixonada por Edgar Allan Poe, gosto de tudo dele, tanto da veia poética quanto da prosa. sua alma atormentada e vítima de terríveis depressões foram o combustível de sua escrita romântica e fantástica. um dos precursores do Simbolismo, fascinado pela morte e por todos os temas de mistério, ele deixou um legado fascinante. "Histórias Extraordinárias" é uma seleção com os seus melhores contos, estilo em que ele é rei, um rei gótico bien sûr! "O Gato Preto" me deixa em suspense todo o tempo e o final renova meu medo toda vez que o releio. "Ligéia" é um conto de fadas às avessas, uma Bela Adormecida fantasmagórica que me encanta e me faz sofrer, Tim Burton conhece bem. e o que falar de "Annabel Lee"? (não consta na coletânea) durante um tempo eu soube decor e salteado o belo poema, o último que ele escreveu em homenagem à sua amada, primeiro prima e aos 13 anos esposa, morta 2 anos antes dele.


"O Horla" foi o último livro que li. neste conto, Guy de Maupassant trata do mesmo universo de horror e mistério imortalizado por Edgar Allan Poe, mesmo assim é imperdível! quando Guy escreveu "O Horla", a sífilis o consumia com avidez, corpo e mente estavam comprometidos e ele vivenciava sofrimentos e alucinações terríveis. o livro é a visita constante de Guy no túnel de passagem, é o embate diário com o seu fantasma pessoal que o tornava mais demente, encontro após encontro. nesta fase extremamente dolorosa, o escritor tentou a morte sem sucesso, a amante caprichosa veio buscá-lo alguns dias antes de Guy completar 43 anos. ele está enterrado no cemitério de Montparnasse, onde gira o moinho que eu ilustro no post "Francis, o estripador de Paris".

"Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres" me inspira até hoje. eu o li na metade dos anos 90 e foi muito marcante, uma revelação, algo inexplicável, bem como os feitiços que a escritora gosta de fazer com os seus leitores que permitem esta perigosa aproximação. a história de amor entre os professores Lóri e Ulisses parece comum, nada especial os diferencia de outros casais. no entanto, os questionamentos da personagem sobre o amor que cresce dentro dela são pura filosofia Clariciana. a feiticeira das letras sempre me instiga a crer que viver de verdade, sem armaduras, é penosamente difícil, viver o amor com plenitude então, é uma tarefa ainda mais árdua e espinhosa. estamos sempre correndo riscos, na vida e no amor, apesar de nos defendermos deles com unhas e dentes, mas talvez esta não seja a mágica da vida e este é o grande ensinamento do livro.

agora estou curiosa pra conhecer as dicas da minha talentosa cunhada e escritora sensível delfuego, do impostor Ronaldo Bressane, que mima as letras como eternas namoradas, da menina-Malagueta literorragia, do destemido oh me blaargh!, que já foi homem-lixo, mas é sempre um charme e, para completar a lista, o insistente admirador da
Gena Rowlands, o teimoso terceiro molar.

jeudi, juillet 05, 2007

um homem contra a crítica
















ele se acha um diretor injustiçado, maldito, vítima da crítica. pra fazer o seu último filme, "Roman de Gare", decidiu adotar um pseudônimo, acreditava que assim ficaria longe do mau-olhado dos críticos e poderia trabalhar em paz. mas durante o Festival de Cannes foi obrigado a revelar que atrás de Hervé Picard se escondia ele, um dos maiores diretores franceses... claro que a crítica aproveitou pra espezinhá-lo e fazer piada do seu estratagema. o triste é que Claude Lelouch realmente se abala com tudo isso, por mais que ele monte o seu discuro de "estou acima de tudo isso", ele se sente perseguido e coloca na crítica a culpa dos seus últimos filmes não terem tido o sucesso que ele esperava. a verdade é que não importa o tamanho da pedra que atirem, a obra de Claude Lelouch é uma muralha forte e bela do cinema francês e mundial. talvez ele devesse abandonar o culto ao número 13 e acreditar no que ele mesmo diz na entrevista que concedeu para A Nous Paris.

O que o motivou a pegar de novo a câmera para filmar
“Roman de Gare” ?

Eu não preciso de motivação para fazer um filme. O cinema é a minha forma de existir, é minha forma de respirar. Então eu tive apenas uma necessidade de respirar.

Por que você quis fazer um filme policial?

Porque é o gênero que mais se aproxima da vida, visto que estamos todos condenados à sermos assassinados de um jeito ou de outro (risos). Eu acho que Deus é o maior serial-killer de todos os tempos. Ele inventou o crime perfeito antes de todo o mundo. A vida é um filme policial porque a gente não sabe a data da nossa morte, o filme é construído em cima deste mesmo suspense.

Como veio a idéia de filmar usando um pseudônimo?

A razão foi de proteger a história. E depois, eu queria me proteger também. Quando se faz um filme, existe uma pressão que pode prejudicar a criação. Então eu quis encontrar o frescor de meus primeiros filmes, usando a competência dos meus 50 anos de cinema. Além disso, eu não queria que me fizessem perguntas durante a produção do filme, porque eu vinha de um fracasso. E, quando é assim, todo o mundo vem te dizer o que é preciso fazer! Eu tinha vontade de ir fundo na minha viagem, sem as malas que as pessoas que têm uma reputação carregam…

Como você explica estas “malas” que aparecem cada vez que você lança um filme?

Você sabe, depois de 50 anos de cinema, te colocam dentro de uma concha. É como na escola, com os bons e os maus alunos. Se um mau aluno vem um dia com uma boa redação – eu fiz esta experiência trocando minha redação com meu melhor amigo que era o primeiro da classe! – ele recebe uma nota ruim. É o que se chama da boa ou má reputação. A gente não pode mudar a ordem das coisas.

Depois do fracasso de “Parisiens”, o que você espera dos críticos que não foram "carinhosos" com você?

Eu não espero nada de ninguém. Eu tive a chance de fazer 41 filmes e eu estaria muito mal situado se esperasse algo de quem quer que seja. Eu sou um homem realizado no cinema e na vida também. Além disso, o fato de terem enfiado no meu cu a vida toda, me permitiu progredir!

Você imagina se aposentar?

Hoje a única coisa que poderia me impedir de filmar, é uma doença grave ou uma depressão enorme. Mas enquanto eu puder fazer rodar uma câmera, eu a farei rodar, mesmo que isto seja para mostrar filmes à minha família ou aos meus amigos. Eu comecei como cineasta amador, eu quero terminar como videasta amador. Hoje, cada filme que eu faço a mais, é um bônus, um presente extra.

Você revê os seus filmes?

Não, eu não gosto muito. Eu sou mais um homem do futuro que do passado, e eu penso que cada filme é o rascunho do próximo. “Roman de Gare” pôde ser feito graças aos 40 rascunhos que eu fiz antes e se eu fizer o 42º, "Roman de Gare" se tornará o 41º rascunho. Eu estou, portanto, de volta à escola 40 vezes. A escrita cinematográfica está apenas no seu começo. O cinema tem um pouco mais de 100 anos. O cinema está, portanto, em andamento, em curso de achar a sua escrita.

Quais são os seus projetos?

Eles dependem de acontecimentos que eu não controlo. Em caso de sucesso, ou em caso de fracasso, existe um plano A e um plano B (risos). Têm filmes que eu posso fazer com dinheiro e filmes que eu posso fazer sem dinheiro. Eu me comporto como um navegador, eu tenho as velas em caso de bom ou de mau tempo. Mas eu venho de um período de mau tempo, então eu queria muito navegar um pouquinho com o vento à favor.

O que você tem como livros de cabeceira?

Eu não tenho muitos. Tem muita gente que escreveu coisas sublimes. Agora eu passei a outra coisa, mas durante vários anos eu considerei que “Os Miseráveis”, de Victor Hugo, era o filme perfeito… enfim, o livro perfeito! Você vê, o lapso é interessante. Você sabe, eu amo as pessoas, as palavras, as imagens e a música, e com isso, eu fiz minha vida. Foi misturando estas 4 paixões que eu pude fazer filmes.

Então foi com estes ingredientes que você pôde fazer 41 filmes?

E também me servindo mais do meu instinto que da minha inteligência. A inteligência nos explica que somos mortais, enquanto que o nosso inconsciente diz que somos imortais. Aliás, eu não gosto da palavra “fim” nos filmes, e eu gosto ainda menos na vida. Ainda que, se a morte existe e todos temos direito, é porque ela é, com certeza, a mais bela invenção que existe… mas eu não estou com pressa de conferir esta fórmula! (risos)

Uma palavra de conclusão?

Em breve nos cinemas… o 42º filme! (risos)

dimanche, mai 27, 2007

das cinzas ao pó de ouro...

dia desses encontraram uma pequena urna funerária no metrô... os franceses são assim, só não esquecem a cabeça porque está bem presa no cachecol, esse povo é por demais distraído! pra se ter uma idéia do desapego, são 500 objetos, em média, todos os dias!

o grande campeão desta epidemia crônica é o celular, mas eles também largam pelo caminho patinetes, esquis, palms, casacos e, pasmem, até computadores!!! quando o assunto em pauta é o esquecimento, os franceses não economizam!

uma amiga ouviu miados tristes perto do assento em que estava. Elena-Myriam levantou e foi procurar o miante: encontrou um gatinho dentro da casinha! levou o orfão pra casa, deu cama, comida e carinho, botou a foto do fofo na internet e 2 meses depois apareceu o dono com uma recompensa de 100 euros! e eu achando que tinham esquecido o gatinho de propósito, tsk, tsk.

mas, voltando à urna funerária, além de cinzas ela estava carregada de pó de ouro e de brilhantes! talvez vocês não saibam, mas este é o último grito entre os endinheirados franceses, misturar às cinzas da pessoa querida pedras preciosas. isso pra provar o valor que o dito tem mesmo morto e enterrado, quer dizer, no caso, cremado. até agora ninguém reclamou a urna, da onde eu tiro a conclusão que a pessoa não era tão querida assim ou devia estar assombrando a casa do morador...

o assunto, levado em discussão na minha classe de francês, levantou histórias curiosas, a começar pela professora. Marie-Laure contou que quando estava na faculdade, um amigo a convidou pra passar o final de semana na casa de campo na Provença. Jean-Marie-Baptiste-Louis a instalou na sala, onde havia 2 vasos grandes de porcelana. enquanto ela se preparava pra dormir pediu pro amigo afastar os vasos de perto dela, tinha medo de acordar durante a noite e, desastrada, tropeçar num deles. Jean-Marie-Baptiste-Louis, sorrindo carinhosamente, disse pra que ela não se preocupasse, num dos vasos dormia papa e no outro mama!!! assim que o dia se fez, Marie-Laure arrumou um compromisso de urgência e inadiável para retornar à Paris, hehe.

já a ucranina Olga tem problemas com o gato mumificado na sala de casa. contou que a mãe era muito apegada ao bichinho e quando ele se foi não assimilou a idéia de ficar sem o corpo de Bóris. então mandou mumificar e botou na sala, num banquinho perto da mesa de jantar, lugar preferido de Bóris. e não era só isso: na mesinha de centro ficavam as cinzas de outro gato! como Ivan havia morrido de doença contagiosa, a mãe de Olga queimou o corpinho e guardou as cinzas num saquinho. Olga tem horror de ficar naquela sala, diz que sente arrepios e que isso irrita a mãe.

eu também tinha uma história pra contar: o primo de uma amiga vivia grudado na mãe, morou a vida inteira com ela, eram os melhores amigos um do outro, tomavam os mesmos calmantes e laxantes, faziam todas as refeições juntos. mas um dia, como era de se esperar, Marta se cansou dessa vida em comum e deixou o filho pra trás. Duduzinho, como Marta o chamava, não teve dúvida, colocou as cinzas da amada mãe numa insuspeita caixa de madeira com motivos orientais e deixou sobre a mesa, no lugar sagrado de Marta. era assim que eles continuavam à partilhar as refeições, mesmo quando Dudu, como os amigos o chamam, convida outras pessoas pro jantar...

então a espanhola falou. Maria, que de gótica não tem nada, pelo menos aparentemente, disse que isso tudo era normal, que nada lhe espantava. guardar as cinzas de alguém querido é uma recordação definitiva, quase como se fosse uma foto e que deve ter um lugar de honra dentro da casa. Maria guarda as cinzas dos avós e do pai na sala do apartamento em que divide com o marido. às vezes ela os leva pra passear: se tem a exposição de algum artista interessante, Maria leva o avô que amava arte; se o dia está ensolarado, Maria pode levar a avó ao parque; quando se sente insegura, Maria bota o pai dentro da bolsa. e assim, cada morto tem o seu dia de festa.

faz 7 meses que Maria senta do meu lado e eu jamais imaginei que ela pudesse sair com mortos dentro da bolsa. depois disso me questionei quantas vezes eu já não teria ficado lado a lado com os seus parentes. daí eu explico aquele cheiro de mofo e os meus ataques de espirro durante a aula, HAHAHAHAHA!

jeudi, mai 03, 2007

"Dalida, le monde pour destin"

Foi num domingo de sol, em 3 de maio de 1987, que Dalida decidiu partir por conta própria, tinha 54 anos. No seu bilhete de adeus poucas palavras, mas que resumiam bem a sua tragédia pessoal: “A vida me é insuportável, me perdoem”.

Dalida viveu seu papel de diva com grande empenho. Sua beleza dourada e a alma angustiada que tanto nos seduziram, viveram momentos de glória e triunfo, mas também mataram todos os seus amores… A alma de Dalida, frágil e ciumenta de si própria, preferia a solidão.

Não foi a primeira vez que a estrela decidiu brilhar em outra constelação. Vinte anos antes, também num domingo, Dalida premeditou a sua morte. Tinha então 34 anos e estava no auge da carreira, mas o seu grande amor, o italiano Luigi Tenco, tinha se suicidado há exatamente 30 dias com uma bala na cabeça. Desde esta terrível perda, Dalida nunca mais foi a mesma.

Em 27 de fevereiro de 1967 tudo havia sido pensado e calculado. Dalida colocou suas coisas em ordem e providenciou para que nada pudesse faltar aos seus queridos, especialmente para a sua mãe. Para poder agir com tranquilidade e não ser descoberta no meio do “pulo” – ela tinha certeza do que queria -, Dalida avisa aos amigos que iria viajar. A encenação vai até o aeroporto de Orly, da onde ela retorna de táxi, disfarçada de “mulher comum”, para a sua casa em Montmartre.

Trancada em seu quarto, refugiada no silêncio, Dalida escolheu uma camisola branca de dentelle, se maquiou cuidadosamente e penteou os longos cabelos. Escreveu quatro cartas de despedida e se deitou na cama imensa à espera dos sonhos. Os três tubos de soníferos começaram a fazer efeito, Dalida ia de encontro ao seu amor. Mas no meio do caminho, um imprevisto... A empregada zelosa se intrigou com o bilhete pendurado na porta desde a véspera: “Não perturbar”. E assim o seu sono foi cortado e a Bela Adormecida foi forçada a voltar para este lado após 72 horas de "passeio".

Dias mais tarde, bela, como nunca deixou de ser, Dalida dizia:

“Foi o cansaço que me matou. Uma manhã ele se instalou junto de mim e não mais me abandonou… Hoje, Luigi Tenco está morto. Ele morreu para provar, talvez, que era digno de amor. Eu morri porque me amavam demais. Luigi Tenco partiu obrigado, sem verdadeiramente querer; eu o segui querendo muito."

"Eu me afundei em letargia depois da morte de Luigi. Minha vida não representava nada mais que uma caminhada sem futuro, nada mais existia de fato. Eu quis morrer sem nenhuma raiva de mim. Eu quis morrer como se executa um trabalho necessário, resolvido, decidido, sem me querer mal. Eu morri como alguns que se abandonam, ausentes, à um jantar que lhes aborrece. Eu não farei novamente. Mas eu não ofendi à Deus, eu não acredito. Deus não pode se ofender por àqueles que quiseram tirar a vida por boas razões. Os mortos sentem muito mais falta dos vivos que os vivos dos mortos…”


Vinte anos após a sua partida, ela vive em cada música entoada por sua voz suave, em cada imagem marcada por seu olhar arredio, em cada fã apaixonado. Em "Dalida, Paris pour destin", a primeira exposição em homenagem à grande artista, ela vive em plenitude. Imagens, fotos e documentos inéditos serão exibidos pela primeira vez, além de objetos, vestidos, e souvenirs pessoais. "Dalida, Paris pour destin", se estende até 8 de setembro no Hôtel de Ville e, segundo o prefeito de Paris, é uma maneira de lhe dizer obrigado.

Dalida, de fato, nunca morreu.

samedi, avril 14, 2007

grâce à Marie-Antoinette

Sofia Coppola finalmente conseguiu a sua porção francesa. após ter sido amaldiçoada por historiadores fanáticos que não gostaram da sua versão sobre a vida de Maria Antonieta, agora ela se consagra no papel de mãe da petite fille Romy, nascida em solo gaulês. o pai é o francês Thomas Mars, músico e vocalista da banda Phoenix, que ela conheceu durante as filmagens de “As Virgens Suicidas” e que as flechas do cupido uniu em "Maria Antonieta".

verdadeiramente odiada pelo povo sob o seu reinado, foi alvo de várias sátiras violentas, entre elas a pornográfica "Les Amours de Charlot et Toinette", de 1779. o autor zombava do casal real cantando que o pequeno pênis do rei não satisfazia o belo corpo e os seios palpitantes da jovem rainha; sozinha na cama ela convulsionava seus desejos vulgares. mas isso foi até aparecer um certo capitão sueco que lhe apresentou os arrebatadores campos de batalha de Vênus.

Maria Antonieta esvaziou os cofres reais abastecendo o seu belo e invejadíssimo guarda-roupa, comprando jóias, promovendo festas em Versailles (a etiqueta impedia a realeza de frequentar Paris), jogando e apostando, sua grande paixão. na Conciergerie de Paris, podemos ter uma idéia do que lhe restou após a Revolução: além da cama, do toucador e da escrivaninha, a inseparável mesa de jogos com quem ela devia dividir partidas imaginárias para esquecer da vultosa desgraça em que havia afundado. imagino que nestes dias infindáveis e frios ela talvez tenha desejado uma vida menos faustuosa e com menor responsabilidade... com Mozart, por exemplo. ele teria pedido a sua mão quando ela ainda era uma menina, ele já um super-star na corte austríaca.

cada um encena o seu destino e recebe os seus próprios encargos, Maria Antonieta parece ter pago caro pelos seus. terminou completamente só, separada dos filhos e do marido, vigiada noite e dia pela sombra de um guarda e pela cabeça de sua melhor amiga, fincada do lado de fora de sua pequena janela. se algum dia a rainha sentiu saudades dos amplos jardins de Versailles que vencem o horizonte, na sua "prisão dourada", como os franceses chamam a sua cela na Conciergerie, essa saudade certamente foi mais forte.

no lançamento do DVD de “Maria Antonieta” na França, Sofia Coppola explicou de novo porque se apaixonou por esta personagem tão rica e marcante. afinal o que seria da Revolução Francesa, dos brioches e das lojinhas de Versailles se não fosse Maria Antonieta?


Por que um filme sobre Maria Antonieta?

Eu sempre fui fascinada por aquela época, o século VXIII, Versailles. Após
ter visitado o palácio de Versailles, eu comecei a ler várias coisas sobre Maria Antonieta, principalmente o livro de Antonia Fraser, e descobri uma realidade bem mais complexa do que o mito de uma mulher frívola e estúpida.

No filme você mostrou o seu lado humano, o que deu originalidade ao seu projeto, mas também o que lhe valeu a ira de alguns historiadores…

Ela tinha defeitos, mas ela também estava numa situação que escapava ao seu controle, ela era muito jovem. imagine, uma menina de 14 anos em que se colocou todas as responsabilidades, se pode imaginar que nesta idade a política interessa menos que vestidos, sapatos, festas. Eu, de qualquer forma, a entendo.

Exatamente em qual momento você fala de você através dela? Você também viveu como uma princesa, sob a asa de seu pai, Francis Ford Coppola…

Por ter escolhido a carreira de cineasta existiram certas expectativas, mas nada se compara à pressão que foi submetida Maria Antonieta. Eu me vejo nela num nível mais básico, dentro desta dificuldade de encontrar um caminho numa sociedade cheia de códigos. É um rito iniciático, alguma coisa que pode falar à toda menina ou a todo menino adolescente.

Sob o rótulo de um filme de época, “Maria-Antonieta”, é um teenage-movie….

Exatamente. Eu amei a idéia de ter esses adolescentes livres por sua própria conta em Versailles. É louco quando pensamos que, pouco antes da Revolução explodir, todos eles eram adolescentes.

Todos os seus filmes precedentes ao “Maria-Antonieta” tratam da adolescência…

A adolescência é um momento em que você ainda tem “tempo de perder tempo”, de escutar música, de fazer todas as coisas que, no geral, você nao tem mais tempo de fazer quando adulto.

O making-of de “Maria Antonieta”, em que vemos o seu pai e seu irmão Roman, que foi o diretor da 2ª equipe de filmagem, foi concebido por sua mãe, Eleanor. Você tem trabalhado em família?

Sim, e tem mais gente também: Jason Schwartzman, que interpreta Luis XVI, é meu primo e Milena Canonero, a figurinista, trabalhou muito com o meu pai e eu a conheço desde sempre. Quando eu era criança eu visitava as filmagens do meu pai e tinha essa atmosfera familiar, agora eu tento perpetuar isso no meu próprio set.

Dizem que você queria Alain Delon no papel de Luis XV…

Sim, eu lhe propus o papel, mas ele recusou. Ele achou que uma jovem americana não poderia dirigir um filme sobre a história da França. Eu não procurei fazer um documentário, mas um filme impressionista. A intriga me interessa menos que a atmosfera e os sentimentos.

Quais são os seus projetos?

Eu acabo de ter um bebê e ainda não voltei a escrever. Mas para mim “Maria Antonieta” fecha uma trilogia sobre a adolescência, o meu próximo filme será bem diferente.

(entrevista para a revista Le Nouvel Observateur)

dimanche, avril 01, 2007

le poisson d'avril



houve uma época em que o Ano Novo na França começava em 1º de abril. mas em 1564, sob o reinado de Charles IX, os franceses viram pela primeira vez a passagem do ano em 31 de dezembro. filho de Catherine di Médicis, irmão da Rainha Margot e sobrinho do Papa Leão X, corre à boca pequena que ele não batia bem e que sua saúde física e mental eram fragéis. vivia às turras com a mãe italiana, a mais importante rainha francesa, que tentou impedir as guerras religiosas, famosas sob o seu reinado. infelizmente a “Noite de São Bartolomeu”, mostrada no filme “Rainha Margot” (baseado na obra de Alexandre Dumas), foi uma decisão sangrenta e que levou a morte quase 100 mil protestantes franceses, então chamados huguenotes. o Sena ficou meses e meses com os corpos dos protestantes aniquilados boiando em suas águas e servindo de comida pra peixe...

Charles IX viveu curtos 24 anos, tendo subido ao trono aos 10 (quem mandava de fato era a mama) e recebido o beijo da morte em seu leito real banhado de sangue, ao lado de sua antiga ama de leite, por ironia do destino uma huguenote praticante. mas antes dessa tragédia toda, bem francesa aliás, em 1º de janeiro de 1565, todos os franceses se felicitaram pelo início do novo ano, trocaram presentes e beberam até o galo cantar "A Marselhesa", tudo como mandava o cerimonial anterior.

mas quando a folhinha do calendário distribuído pelo rei finalmente mostrou 1º de abril, um vazio daqueles grandes se fez notar no peito dos franceses. então, esses orfãos do "ano velho" trocaram presentes, já que era assim que durante gerações e gerações todos faziam. mas como o ano já não começava oficialmente naquela data e o povo não tinha dinheiro sobrando sequer para os brioches, resolveram trocar “presentes de mentirinha”, coisas que fizessem rir ou apenas “pregar peças”. a partir deste dia, adultos e crianças pegaram gosto por fazer brincadeiras ou contar mentiras divertidas.

como abril é o período de reprodução dos peixes e a pesca era proibida na França, alguns espirituosos de plantão resolveram enganar os pescadores jogando harenques dentro dos rios. os engraçadinhos chamavam essa brincadeira de "poisson d'avril" e o costume permaneceu.

hoje não se jogam mais harenques nos rios, mas se prende nas costas de algum desavisado um peixe feito de papel. se for colocado com discrição, a isca pode passar o dia inteiro com o "poisson d'avril" colado sem entender porque as pessoas riem tanto... e eles riem, é inacreditável como uma brincadeira tão inocente possa ser tão engraçada para os europeus! nas boulangeries e pâtisseries finas de Paris, o peixe de chocolate é o incontournable da estação.

alguns defendem que o "poisson d'avril" teria vindo do signo de peixes - no início de abril a lua sai deste símbolo zodiacal. eu confio mais no poder de enganação dos harenques.