paris à go-go

crônicas sobre Paris e de sua ululante gente francesa

dimanche, juillet 30, 2006

"L'Homme à la Moto"

seriam os cafajestes anjos malditos enviados para atormentar e desgraçar a vida de infelizes meninas virgens? edith piaf canta que sim. alain delon faria bem o papel deste demônio, afinal quem não se renderia a um porco imundo com a cara dele? hahahahaha! volontiers!


“O Homem com a Moto”

Ele usava as calças, as botas de moto,
Uma jaqueta de couro preta, com uma águia nas costas,
Sua moto, que disparava como uma bala de canhão,
Semeava o terror em toda a região.

Ele nunca se penteava, ele nunca se lavava,
As unhas cheias de graxa, mas tinha no bíceps
Uma tatuagem azul de coração, na pele cadavérica,
Dentro a gente lia: “mamãe, eu te amo”.

Ele tinha uma namoradinha, de nome Marilou,
A gente tinha pena dela, uma “criança” da sua idade,
Pois todo o mundo bem sabia, que entre tudo o que ele amava,
A maldita da moto levava vantagem.

Marilou, a pobre menina, lhe implora, lhe suplica:
“Não vá embora essa noite, eu vou chorar se você for”.
Mas suas palavras foram em vão, suas lágrimas igualmente,
No estouro da máquina, pelo cano do escapamento.

Ele saltou como um demônio, com labaredas dentro dos olhos,
Na passagem de nível, foi como uma flecha de fogo,
Contra a locomotiva que arrancava, por volta do meio-dia.

E quando se removem os destroços,
Se encontra a sua calça, as suas botas de moto,
A sua jaqueta de couro preta, com uma águia nas costas,
Mas nada da sua moto,
E nada desse demônio,
Que semeava o terror em toda a região.

Lieber Stoller – Jean Dréjac
(1956)

mardi, juillet 25, 2006

a diaba da "Marinette"

Marinette deve ter sido uma dessas mulheres que pirava com a cabeça dos homens. Sempre à frente, ela fazia deles gato e sapato e só dava ponto com nó bem apertado, a fila andava rápido. Georges Brassens deve ter enlouquecido com ela…como não?

"MARINETTE”

Quando eu corri cantar minha pequena canção pra Marinette,
A bela, a traidora, tinha ido à ópera,
Com a minha pequena canção eu fiquei com cara de idiota, minha mãe!
Com a minha pequena canção eu fiquei com cara de idiota.

Quando eu corri levar meu pote de mostarda pra Marinette,
A bela, a traidora, já tinha terminado de jantar,
Com o meu pequeno pote eu fiquei com cara de idiota, minha mãe!
Com o meu pequeno pote eu fiquei com cara de idiota.

Quando eu dei de Ano Novo (1) uma bicicleta pra Marinette,
A bela, a traidora, tinha comprado um carro,
Com a minha pequena bicicleta eu fiquei com cara de idiota, minha mãe!
Com a minha pequena bicicleta eu fiquei com cara de idiota.

Quando eu corri ansioso para o encontro com Marinette,
A bela, a traidora, dizia:“Eu te adoro!” à um cafajeste que lhe abraçava,
Com o meu buquê de flores eu fiquei com cara de idiota, minha mãe!
Com o meu buquê de flores eu fiquei com cara de idiota.

Quando eu corri explodir os pequenos miolos de Marinette,
A bela já estava morta, de um "resfriado em mau lugar" (2),
Com o meu revólver eu fiquei com cara de idiota, minha mãe!
Com o meu revólver eu fiquei com cara de idiota.

Quando eu corri taciturno para o sepultamento de Marinette,
A bela, a traidora, já tinha ressuscitado,
Com a minha pequena coroa eu fiquei com cara de idiota, minha mãe!
Com a minha pequena coroa, eu fiquei com cara de idiota.

Georges Brassens
(1955)

(1) na França havia o costume de se dar presentes no 1º dia do ano (étrennes)
(2) alusão à doença venérea

“J’aime les Filles”


jacques dutronc teve várias musas, mas cantou todas numa música só. aliás a letra é de outro jacques (lanzmann), que morreu em junho e assinou vários dos sucessos do galã. mas o que seria de uma composição sem um intérprete da nobreza estética de dutronc?
N-A-D-A!!!


“Eu amo as garotas (1)”

"Eu amo as garotas da Castel (2)
Amo as garotas da Régine (3)
Amo as garotas que se vê na Elle (4)
Amo as garotas das revistas
Amo as garotas da Renault (5)
Amo as garotas da Citroën (6)
Amo as garotas dos altos fornos (7)
Amo as garotas que trabalham na linha de montagem (8)

Se você é assim
Liga pra mim
Se você é assim
Me liga



Eu amo as garotas que têm dote
Amo as garotas “filhinhas de papai”
Amo as garotas de Lot (9)
Amo as garotas que não têm pai
Amo as garotas de Megève (10)
Amo as garotas de Saint-Tropez (11)
Amo as garotas que fazem greve
Amo as garotas que vão acampar
Amo as garotas de La Rochelle (12)
Amo as garotas de Camaret (13)
Amo as garotas intelectuais
Amo as garotas que me fazem rir
Amo as garotas que fazem a “velha França” (14)
Amo as garotas do cinema
Amo as garotas da assistência (15)
Amo as garotas em dificuldades

Se você é assim
Liga pra mim
Se você é assim
Me liga"

Jacques Lanzmann
(1967)


(1)- em francês o termo “fille” designa várias “versões” do sexo feminino: filha, menina, moça, garota de programa, mulher solteira ou uma mulher que nunca tenha se casado, mesmo que ela seja uma senhora idosa. naqueles anos, a sociedade era muito preconceituosa com as mulheres que não tinham marido, assim jacques homenageava todas as "filles" francesas;
(2) – boate que existe em Paris desde os anos 60 e que mistura celebridades+políticos+personalidades esportivas+alta-sociedade local+garotas de programa (o que é de uma festa sem elas?);
(3) – outra boate, essa do final dos anos 50 e que foi muiiiiiiiito famosa principalmente nos anos 70, onde dizem ter sido inventada a disco. foi fundada por Regine Zylberberg e teve filiais em várias cidades do mundo, inclusive Rio e São Paulo;
(4) – a revista;
(5) e (6) – marcas de automóvel francesas;
(7) – as metalúrgicas;
(8) – as operárias
(9) - personagem bíblico cujas filhas engravidaram dele após a mãe ter virado estátua de sal (Genêsis 19:30-38);
(10) – estação de inverno très chic nos anos 60, localizada nos alpes franceses;
(11) – cidade litorânea da Riviera Francesa (Côte d’Azur) famosa em todo o mundo;
(12) – cidade litorânea do Atlântico;
(13) – cidade da Bretagne que era famosa nos anos 60 por sua indústria pornográfica;
(14) – as mulheres que se vestem com excessiva sobriedade;
(15) – as assistentes sociais.

jeudi, juillet 20, 2006

bigdogwalk



ontem fez 37 graus… é como dizem, “a gente vai vivendo como deus quer”, hahahaha! (eu adoro essa frase!). e as pessoas começam a cair feito patos abatidos no ar, os mendigos se atolam aos montes sob o sol de fornalha, as meninas brincam de imitar pás de helicóptero com leques floridos e nas salas de aula o mundo vira uma sauna coletiva sem piscina na saída. no deserto de asfalto, um homem redondo de quase 7 décadas sua como uma chaleira de água fervente e arrasta um basset hound ofegante, tão gordo quanto ele. no corpo geométrico, a jaqueta bege com capuz cobre metade dos quadris e por inteiro a cabeça de bola. meias 3/4 combinando com os sapatos marrons não permitem as pernas nuas. e ele está sem calça, sem bermuda, sem shorts... quase sem nada, só de cueca. e ele atravessa a rua tranquilo, sem pensar no pior: o calor queima o bom senso antes de avermelhar a pele. o basset hound continua ofegante, de febre ou de vergonha, jamais descobriremos.

mercredi, juillet 19, 2006

paris em chamas

dizem que é paris, mas pra mim tá parecendo o senegal, hahahaha! dá pra aguentar mais de 30 graus todos os dias numa cidade que quase não tem ar condicionado? e a paris-plage só começa na semana que vem, é a desgraça generalizada, melhor o povo ir pra tosa! eu vejo aqueles vidros de nutella derretendo nas barraquinhas de crepe e temo pela saúde dos turistas - afinal francês que é francês não vai passar mal com isso... é quase como buchada de bode, só quem não é nordestino que passa mal e muito mal!

mas dizem também que há um certo temor deste verão ser como o de 2003 quando morreram pilhas de velhinhos. agora eu pergunto: é possível sair encasacado com um calor nigeriano como este? mas os velhinhos parisienses são assim, eles só saem na rua de capote! e se você chama a atenção e explica que o excesso de roupa desidrata o corpo, eles começam a gritar golpeando o ar com bengaladas furiosas dizendo que a gente quer que eles morram de pneumonia, porque eles não podem pegar friagem! agora vocês já sabem que eles morrem LITERALMENTE de calor e por vontade própria...

dimanche, juillet 16, 2006

o saldo da mudança

Quem leu “O caso do chiclete” conheceu as agruras que eu passei limpando o apartamento em Montparnasse e soube detalhadamente o que eu tive que tirar detrás da máquina de lavar roupas não vai se espantar com o que eu vou contar agora… Mudei de apartamento faz 3 semanas e apesar deste imóvel estar “limpo” para os padrões franceses, acabei de contabilizar o saldo do que foi retirado. Ai, ai, viver em Paris é fazer coleta de lixo, quiça, de séculos, hehe.

Atrás do armário que fica embaixo da pia da cozinha tem um vão e vãos são lugares estrategicamente problemáticos para os franceses, conforme aprendi na prática. Enfim, neste limbo de 20cm de largura e 1m de altura que deus esqueceu de colocar a luz, encontrei uma toalha de banho daquelas tamanho família completamente embolorada, uma flanela em bom estado (sabe se lá como), 3 tampas de panela de aço inox, uma vasilha de cerâmica cor de laranja e o achado que pra mim já é um clássico parisiense: xícaras de café usadas!!!

E não termina por aí: no quarto, dentro da majestosa mas puramente decorativa lareira de mármore cinza, havia lenha, lenha esturricada, bien sûr! Detalhe: é proibido usar lareiras em Paris por motivos de segurança há décadas (na periferia parisiense pode, tanto que eles vivem queimando tudo por lá, é uma gente muito festeira, très vivant, que adora botar fogo em carros!). Fora a lenha, havia uma pá, pesadíssima por sinal, dessas que também servem pra cobrir cova. E além da pá havia um fole e este sim era fantástico, fiquei até emocionada por descobri-lo! Ele estava enterrado sob o carvão e já grudado no mármore, eu tive um certo trabalho para arrancá-lo de lá. Um certo sentimento de pena me abateu por colocá-lo no lixo, afinal tinha um cabo bonito com a madeira trabalhada, mas após refletir um pouco olhando para o grande espelho centenário que pende sobre a lareira o fiz sem dó nem piedade, afinal este prédio é de 1900 e tem até fantasma no hall de entrada!

Eu realmente não sei o que acontece com esse povo!

Essa semana nossa conterrânea Luci, de João Pessoa, levou uvas para a aula e ofereceu para quem estava por perto. Então a vietnamita que atende pelo pitoresco nome de Thran, perguntou delicadamente se Luci havia lavado as uvas. E a paraíbana, indignada, esbravejou: “Você acha que brasileiro é que nem francês que não lava o que come?” HAHAHAHAHA! Thran, casada com um nativo, concordou plenamente quanto ao lado francês. Depois quando perguntam qual é a fama que eles têm e a gente responde que é de ser sujinho, eles fazem bico… Agora me digam se existe outro lugar na Terra onde se compra um fogão e nas instruções se lê em letras ituanas: "NÃO COZINHAR COM A PANELA SUJA!" Esta frase diz tudo e encerra o caso.

vendredi, juillet 14, 2006

“Café da Manhã”

Ele colocou o café
Na xícara
Ele colocou o leite
Na xícara de café
Ele colocou o açucar
No café com leite
Com a colherzinha
Ele mexeu
Ele tomou o café com leite
E repousou a xícara
Sem falar comigo



Ele acendeu um cigarro
Ele fez círculos
Com a fumaça
Ele colocou as cinzas
No cinzeiro
Sem falar comigo
Sem olhar pra mim



Ele se levantou
Ele colocou
Seu chapéu sobre a sua cabeça
Ele colocou o seu casaco de chuva
Porque chovia
E ele partiu
Sob a chuva
Sem uma palavra
Sem olhar pra mim

E eu
Segurei a minha cabeça
Com a minha mão
E chorei.

Jacques Prévert
(1946)

mardi, juillet 11, 2006

a vida sem mtv

a vida é triste, a vida é amarga, ela até pode ter um final feliz, mas antes temos que passar pela madrasta, hahahaha! "cinderela" e "branca de neve" comprovam este fato muito bem! e para quem não teve tempo de ler a minha última coluna no site da mtv que ficou algumas horas disponível aí vai minha despedida:

"Salut mes chéris!

Venho por meio desta informar que por motivos alheios à Deus, eu não mais escreverei para este adorável site que tão bem me acolheu.
Sim foi apenas um ano, mas foi intenso! Recebi pilhas de e-mails meigos, mensagens carinhosas, comentários calorosos. Confesso ainda que fiz amigos, conheci gente influente do Brasil e do mundo, me tornei uma jet-setter. Mas enfim, acabou, c’est la vie…
Aproveito para deixar o endereço da minha barraquinha aqui em Paris, embaixo do pé leste da Torre Eiffel, onde vendo quitutes bem brasileiros: cocada, rapadura, goiabada, bijú e biscoitos globo que têm tido muita saída nos domingos de sol. Qualquer dúvida falem com o Ed Fukuda que já me visitou por aqui, ou então é só perguntar nas redondezas da torre sobre a ruiva brasileira que todo mundo conhece. Mas precisa especificar que é brasileira porque têm várias ruivas do leste europeu também. Outra coisa: tem que falar “Marra Lissa” porque o povo daqui é meio chucro pra pronunciar nomes que não sejam franceses. Então é isso, espero vocês para tomarmos um bom vinhozinho nacional.

Au Revoir…"

lundi, juillet 10, 2006

que silêncio!



depois que o zidane despirocou em campo o "allez les bleus" foi mesmo é pro brejo... agora parece que Paris tomou sonífero e foi dormir cedo pra esquecer o pesadelo... chiiiiiiiiiiiiiiiiii

dimanche, juillet 09, 2006

A Pré-História do Videoclipe

Que o videoclipe nasceu com o Queen todo o mundo já sabe, mas e o ancestral do videoclipe? A semente que deu origem a essa “cereja” da música que não pára de nos surpreender? Anos e anos trabalhando sob o teto da MTV, templo maximo do videoclipe, e eu não sabia… Precisava mudar para Paris, conhecer um californiano apaixonado pela música francesa dos anos 60 e conhecedor como poucos da sua história para saber que o antepassado do videoclipe é pura criação local! Vou me chicotear um pouco e já volto, hehe.

Voilà! Tudo começou com uma mulher, a empresária e produtora independente de espetáculos Daidy Davis-Boyer. Ela que sempre apoiou e alavancou a carreira de inúmeros artistas desde os anos 40, atravessou vários estilos da música francesa e foi responsável por turnês de Edith Piaf e Charles Aznavour, por exemplo. Farejadora incansável de talentos, a produtora tinha verdadeira paixão pelo universo musical e pensava obstinadamente num meio mais criativo para promover os artistas que empresariava. E a mansão de Daidy, batizada de “Villa Relâche” (algo como “Casa de Folga”), teve importância crucial nesta história: os artistas tinham trânsito livre na casa e geralmente ficavam por lá algum tempo aproveitando as mordomias e mimos de Daidy. É num destes momentos que a empresária tem a idéia de filmá-los despretensiosamente, numa atitude natural, no jardim da casa, na piscina, na garagem ou dentro da mansão, dublando as próprias músicas.



Enquanto isso aparecia nos cafés franceses o Scopitone, uma máquina parecida com uma juke-box que acompanhava um projetor de cinema no formato de 16mm. Os primeiros modelos foram feitos na França no início dos anos 60 e logo depois o Scopitone tomou a Europa, particularmente a Alemanha e a Inglaterra. Pelo preço de uma entrada de cinema os clientes dos cafés podiam assistir na pequena tela do que se parecia com uma televisão em cores (só havia aparelhos em preto&branco) os “filminhos” com as estrelas da época. Pétula Clark (a Shirley Temple da Inglaterra), o inigualável Jacques Brel, Sylvie Vartan (mãe do ator Michael Vartan, o Vaughn do seriado “Alias”) Johnny Hallyday (uma espécie de Erasmo Carlos francês e sucesso até hoje) e mesmo Brigite Bardot, que também se aventurou na carreira de cantora, são alguns dos artistas que foram vistos à exaustão nas telinhas do Scopitone.



Daidy, então apelidada de “Mamy Scopitone”, decide explorar este tipo de mídia e convence as gravadoras da importância de produzir os filmetes para divulgar suas estrelas. Sinal verde conseguido, Daidy inunda o mercado Scopitone com os seus “clipes”. Até 1979, data em que a máquina foi retirada do circuito para virar objeto de coleção e de museu, essa pioneira do mundo musical que revolucionou o jeito do público ver o artista, tirando-o do palco e colocando-o em outras situações, lançou cerca de 2 mil “clipes”.



Mas se Daidy dirigiu a maior parte dos “clipes-Scopitone” existentes, alguns diretores de cinema em início de carreira também entraram nessa brincadeira. Um dos grandes talentos que começou assim foi Claude Lelouch, que entre outros fez o antológico “Um Homem, Uma Mulher” (1966). Ele dirigiu cerca de 80 “clipes”, ora contando uma história a partir da letra da música, ora fazendo um roteiro surreal (os meus preferidos), reaproveitando cenários de filmes ou usando as ruas de Paris; Lelouch fez de tudo e com todos os astros a baixíssimo custo e sempre em poucas horas! Aliás a praxe daquele tempo, ninguém tinha dinheiro ou podia gastar com isso, conceito que só mudaria, obviamente, nos Estados Unidos. Quando o Scopitone atravessou o Atlântico, na metade de 64, seu fim estava próximo. Perdeu a “inocência”, ganhou recursos e qualidade técnica, mas não sobreviveu aos anos 70. Morria tranquilo assistindo ao nascimento de “Bohemian Rapsody” (1975) certo de que sua missão havia sido cumprida. Os dias de ouro do Scopitone foram de 1962 a 1965 apenas, mas deixaram um tesouro de 1800 títulos registrados em catálogo.



O videoclipe tem um belo passado e uma longa vida pela frente. Saudações à Mamy Scopitone!

O Zé Perry e o Pequeno Príncipe

Há muitos anos, em 1900, nascia o terceiro herdeiro de uma aristocrática família francesa. Sim, é bem verdade, a família estava à beira da falência, mas isso não faz muita diferença quando se é aristocrata de sangue. Foi neste berço meio decadente, mas ainda rico, que Antoine Jean Baptiste Marie Roger de Saint-Exupéry chorou pela primeira vez e posso jurar que ninguém, absolutamente ninguém, desconfiava que aquele bebê rosado como um leitãozinho um dia seria um dos escritores mais consagrados da literatura universal e um piloto pioneiro que desbravaria importantes rotas de navegação aérea. Também não desconfiavam que ele atravessaria o oceano Atlântico e quando aterrissasse nas areias claras da ilha de Florianopólis ele seria simplesmente o “Zé Perry”.

Infinitamente famoso após a sua morte, o autor do livro “O Pequeno Príncipe” (que comemora 60 anos de seu lançamento na França), foi um escritor de grande sensibilidade, mas acima de tudo um humanista destemido que viveu experiências espetaculares, praticamente um Barão de Munchausen. No seu caso ele bem que poderia ser chamado de Visconde de Saint-Exupéry, já que o pai ostentava o título. Mas para falar de suas aventuras é preciso saber que só o fato de pilotar um avião até a metade do século passado era coisa para bons, poucos, e muito loucos! Naquelas insensatas décadas de 20 e 30 os aviões permaneciam por muito tempo rentes ao solo e os vôos eram alçados na dependência exclusiva da habilidade dos pilotos - voar era extremamente perigoso e instintivo! Não existiam radares nem os sofisticados aparelhos que poderiam guiar os pilotos com segurança, como é atualmente.

Apaixonado ao extremo por aviões desde criancinha quando se hospedou no castelo da tia, o seu sonho dourado era fazer parte da Armada Francesa. Ao lado do château “Saint-Maurice-de-Remens” havia um pequeno campo de aviação que Saint-Exupéry visitava todos os dias para observar as aeronaves e conversar com pilotos e mecânicos. Foi lá que fez o seu primeiro vôo, aos 12 anos, e a vontade de seguir a carreira se acentuou intensamente - ou ele seria um piloto ou não seria nada! Mas aos 19 anos foi reprovado do teste da Escola Militar e a decepção fulminante quase o derrubou - passou 2 anos sem eira nem beira tendo a mãe como único consolo. E por falar na mãe de Saint-Exupéry, Marie de Fonscolombe ocupou um lugar fundamental em sua vida. A grande sensibilidade do filho para a arte foi inspirada por ela, uma mulher cultivada, amante das artes. Acostumou os filhos desde o primeiro dente de leite a apreciarem e a compreenderem a beleza de toda manifestação artística. Para Saint-Exupéry a mãe sempre representou uma imagem de paz, de serenidade, de apoio incondicional durante os piores momentos por que passou.



Mas eis que enquanto ele escrevia mais uma das dezenas de cartas endereçadas a mãe, recebe o chamado para cumprir o serviço militar. Apesar do dia parcialmente nublado Saint-Exupéry corre alistar-se feliz da vida no Regimento de Aviação de Caças, mas para a sua surpresa é designado para trabalhos em terra… outra desilusão! Pensou em morrer, pensou em se matar, mas conversando com a mãe, a sábia mãe, teve a idéia de contratar um professor particular. Após 9 meses de aulas dia e noite nosso obstinado herói consegue o brevê de piloto civil. Finalmente aquele que se tornaria um piloto audacioso e amante incondicional do perigo conseguia do exército o diploma de piloto de guerra!

Mas nem tudo eram clematites na vida de Saint-Exupéry: servindo a este mesmo exército que ele tanto batalhou para entrar sofre um grave acidente e é dispensado. Entristecido vai tentar a carreira de piloto civil numa empresa de correios. Logo ganha o apelido de “Saint-Ex” e nosso ousado piloto realiza um importantíssimo feito para a aviação mundial mapeando a rota Toulouse-Dakar-Buenos Aires. E se não bastasse isto, Saint-Ex também estabelece as primeiras rotas aéreas entre o norte do Brasil, Buenos Aires e sul do Chile. Foi nesta fase criativa que ele conheceu a praia de Campeche, o primeiro aeroporto de Santa Catarina onde aterrissou e decolou entre 1926-31, onde ele virou o Zé Perry. Os pescadores achavam muito complicado falar Saint Exupéry, então resolveram com o bom e famoso Zé. Nessas paradas ele e outros pilotos descansavam por dias na praia catarinense enquanto os aviões eram revisados e reabastecidos. Zé Perry tinha um alojamento em Campeche e ficou amigo dos pescadores com quem dividia cigarros trazidos da Europa, aprendeu a pescar e a preparar os peixes da ilha. Não há notícia de que frequentava os bailes para paquerar as catarinenses, mas sabe-se que tinha loucura por biju.



Mas quando Zé Perry não estava comendo biju o que ele gostava mesmo era de correr perigo: resgatava aviões e pilotos nos lugares mais improváveis (deserto do Saara e Cordilheira dos Andes), tentava quebrar recordes de tempo de vôo, ele fazia e acontecia. Passar dias sem comida e água, sofrer alucinações no deserto, viver como os beduínos, sair de um coma profundo, ele passou por tudo isso. Só se sentia vivo e bem consigo mesmo enquanto voava e se houvesse risco era o paraíso na Terra! Voar era um momento de meditação em que Saint-Ex filosofava sobre a solidão, a amizade, a liberdade, o significado da vida, os valores humanos… Reflexões que posteriormente ganhariam as páginas de jornais, revistas e de seus vários livros: “O Aviador” (1926), “Correio do Sul” (1929), “Vôo Noturno” (1931), “Terra de Homens” (1938) e “Piloto de Guerra” (1942).

Durante a 2ª Guerra Mundial o biju escasseou e Saint-Exupéry se colocou novamente à disposição da querida Força Aérea Francesa. Sob a patente de capitão ele foi enviado para Toulouse, mas logo a França assinou a rendição para a Alemanha e ele parte desconsolado para o exílio nos Estados Unidos, onde escreveria e ilustraria “O Pequeno Príncipe” (1943) - best-seller que se tornou leitura obrigatória para qualquer Miss Universo que se prezasse. A inspiração para o cultuado livro surgiu depois de ele sofrer um acidente no deserto da Líbia e passar por uma experiência muito particular. Este “acidente” se converteu no livro francês mais vendido no mundo.

Enfim, quando os Estados Unidos decidem entrar na guerra, Saint-Exupéry se alista mais que depressa sob o comando dos americanos, mas os seus 40 anos mais alguns problemas físicos lhe dão o inaceitável cartão vermelho. O fato era que Antoine-Jean-Baptiste-Marie-Roger de Saint-Exupéry era teimoso feito um jumento de pedigree e queria porque queria pilotar um dos lendários aviões de guerra Lightning P-38! Não houve cristo que tirasse isso da sua cabeça dura! Fez uso de todas as suas influências aristocráticas até conseguir levantar vôo em sua primeira missão. Deu no que deu... o seu corpo e o tão falado Lightning P-38 nunca foram encontrados. O que se sabe é que o nosso Saint-Ex simplesmente desapareceu por completo numa ensolarada manhã do dia 31 de julho de 1944. Era a sua oitava missão e ele sobrevoava a Baía dos Anjos no sul da França, estava em casa novamente.

O caso do chiclete

Ah, os franceses, que gente estranha! Uns amores, gente boníssima, glamourosa e refinada, mas que hábitos cultivam e que são herdados de geração a geração tal como um gene defeituoso! Muitas vezes, confesso, fico horrorizada, hahahaha!



Dia desses, num programa de auditório, aconteceu algo que exemplifica bem o tipo de relação que os franceses têm com a sujeira, ou seja, eles convivem bem e sem medo. Obviamente a temperatura baixa durante quase metade do ano alivia as terríveis consequências dessa, digamos, “excentricidade” francesa. Fosse essa peculiaridade também cultivada no Brasil e estaríamos todos mortos, atacados exaustivamente por diabólicos vírus, fungos e bactérias que proliferariam descontrolados sob a proteção da temperatura tropical e não sobraria ninguém confiável para escrever o nosso melancólico juízo final.

O dono do programa em questão é Sebastian Cauet, um apresentador com quase 40 anos, baixinho-gordinho-careca, que faz muito bem várias imitações e além disso é um bom entrevistador, do tipo que contorna qualquer saia-justa e consegue descontrair até o mais mal-humorado dos convidados. Na França é comum aparecer nos programas personalidades ranzinzas ao extremo e gente caindo de bêbada e quando eu digo “caindo” não é força de expressão! E uma pessoa nessas condições não é nada fácil de se entrevistar, mas ele se sai bem. Um aparte: vi uma entrevista dos anos 70 inacreditável com um dos reis da geração Beat, Charles Bukowski. Ele estava tão bêbado que não conseguia ficar sentado nem de olhos abertos, ele escorria pela poltrona. Detalhe: ele estava com uma garrafa de whisky na mão, hehe. Era uma conversa com intelectuais franceses que a uma certa altura cansaram de disfarçar que estava tudo bem porque não tinha possibilidade do Bukowski falar e até jogaram água na cara dele! Mas nada… o poeta estava “pra lá de oeste” como os franceses costumam dizer. Rindo, os intelectuais encerraram a entrevista enquanto Bukowski ressonava na poltrona. E outra coisa que é comum de acontecer aqui é do entrevistado cuspir no chão, seja ele quem for. Imagine a cena do Edgard entrevistando alguém no estúdio da MTV e no meio da falação o cara vira pro lado, cospe e continua da onde parou sem pedir desculpas nem nada! Não tem a menor condição!!!

O programa do Cauet é divertido e tem até momentos “Hermes&Renato”, com quadros que não medem o ridículo e que fazem piada de absolutamente qualquer personalidade, seja ela do meio que for e o melhor: na frente dela! (eles só ficaram com medo de apanhar do faixa-preta Steven Segall, mas fora isso sempre detonaram na cara-de-pau com todo o mundo!). Estrelas de Hollywood e do mundo todo passam por lá: Angelina Jolie, Colin Farrell, Penelope Cruz, Pink e Robin Willians são alguns dos que estiveram recentemente. No dia em que a ex-Sporty Spice foi divulgar o trabalho solo eles fizeram uma cover das Spice Girls de chorar de rir. E a pobre Melanie C ali, tendo que achar graça, hahahaha! E ela não estava achando nenhuma, hehe. O pior é que eu nunca tinha percebido que a voz dela é I-D-Ê-N-T-I-C-A a da Karen, a super-perua do “Will & Grace”!!! Não sei como ela consegue disfarçar aqueles agudos cantando, deve ser mais um capítulo da surpreendente série “O Mundo Maravilhoso e Fantástico da Tecnologia”, hehe. Os “irmãos” franceses de Hermes&Renato já ficaram completamente sem roupa no palco e não cansam de beijar os convidados na boca. Aliás, beijo na boca entre homens neste programa é a coisa mais comum, rola sempre. A dupla simplesmente não têm limites e eu adoro, afinal fiquei orfã de “Hermes&Renato”, snif, snif.

Mas como todo brasileiro que se preze, pobre e subdesenvolvido mas acima de tudo limpinho, fiquei chocada com o que aconteceu num dos programas. Cauet, no meio de uma entrevista com 2 comediantes, repara que tem um chiclete no chão. Ele pára a entrevista e reclama brincando, claro, porque francês que é francês nunca reclama de sujeira, eles simplesmente dizem “c’est normal!” mesmo que você aponte para um relevo de 5 centímentros de sujeira incrustada no chão, obra do tempo e da falta de preocupação com a limpeza… Eu preciso desabafar e contar do dia em que a torneira de água quente da pia da cozinha queimou e o eletricista teve que afastar a máquina de lavar que é embutida na parede… Tinha de tudo lá atrás, não sei como faltavam ratos, eles simplesmente não devem ter sobrevivido! Pilhas de canudos usados, 3 xícaras de porcelana com café seco, guardanapos engordurados, pratos de papel com restos de comida, talheres sujos!!! Eu horrorizada com tudo aquilo e o eletricista com cara de tédio: “c’est normal, c’est normal”!!! Deus do céu, eu é que não encosto nessa gente!

Bom, antes que eu perca o fio da meada que a essas alturas já ficou encardida, Cauet diz rindo que a limpeza do estúdio está cada dia pior e pega do chão algo duro e descolorido, o bagaço daquilo que já foi um chiclete. Repentinamente o apresentador louco de pedra coloca o chiclete na boca e começa a mascá-lo sob os aplausos desmedidos do auditório. Então tira a goma reavivada da boca e oferece para um dos comediantes que gentilmente recusa porque está com uma afta. A platéia vaia e o humorista arremessa o chiclete em direção a ela. Um dos espectadores se levanta e consegue pegar o chiclete, bota na boca sem hesitar e é ovacionado. Então, para espanto de todos, o chiclete vai sendo passado de boca em boca, cada um masca aquele pálido naco de goma com um sorriso de orelha a orelha e passa ao próximo como se fosse algo sagrado e aquele um momento de comunhão. O público em volta delira enquanto eu me contorço no sofá boquiaberta! Quando a fileira da promiscuidade chicletícia termina, o outro comediante que não está com afta pede para a última pessoa jogar o chiclete para o palco. Então ele agarra o chiclete-super-star responsável por essa catarse, masca com vigor por alguns segundos e… ENGOLE! Abre a boca, levanta a língua para provar o feito, diz que ama a todos e que agora aquela “grande saliva coletiva” vive dentro dele! Todos aplaudem de pé e gritam emocionados! Cauet engasgando de tanto rir abraça efusivamente o dono da “grande saliva coletiva” e entram os comerciais.



Após esse momento digno de um espetáculo teatral do Zé Celso eu tento me recompor, mas me faltam séculos de cultura pra isso… Enfim, os franceses são assim, gente desprendida, gente imprevisível… Cuidado com eles e depois lave sempre muito bem as mãos, HAHAHAHAHA!

"Les Fleurs de Dior"

Christian Dior era da Normandia, região balneária do Canal da Mancha. E mesmo com o infinito do mar a sua frente durante toda a infância e adolescência, foi um homem reservado e tímido, extremamente sensível, cuja personalidade é bem menos conhecida do que o nome da marca que construiu. Quando nasceu, há 100 anos, o pai certamente torceria o nariz se soubesse que aquele bebê se recusaria a administrar os negócios da família para revolucionar a moda do meio do século XX com o chamado “New Look”. E Christian demorou muito tempo para descobrir a sua verdadeira vocação, só sabia o que não queria fazer. A visita às usinas da família foi para ele um calvário. Ele diria mais tarde: “Ali surgiu meu verdadeiro horror às máquinas!”

Mas muito antes de Christian entrar para a história da moda, a família Dior era formada basicamente por lavradores normandos, cuja árvore genealógica remonta à 1541. A ascenção social do clã começou com o seu avô e continuou com o sucesso do seu pai, Maurice. No início as fábricas Dior produziam ácido sulfúrico para fertilizantes, produto que a França era líder mundial no início do século passado. Nos anos 20 desenvolveram o sabão em pó e a água sanitária Dior que dominou o mercado de produtos de limpeza. E da rústica água sanitária para os refinados perfumes foi só um pulo de geração…

A casa que viu Christian nascer e crescer está suspensa no alto de uma montanha em Granville. Em estilo belle-époque e chamada “Les Rhumbs”, foi lá que mãe e filho compartilharam a afeição pelo jardim de campo inglês - fato que marcou e inspirou profundamente o futuro estilista. Amante da elegância, das boas maneiras e da vida burguesa, Madeleine exerceu grande influência em Christian. Dizem as lendas que no quarto do estilista, na cabeceira ao lado da cama, ele guardava um álbum com fotos da sua infância. Eram registros do jardim que ele e sua mãe criaram, em torno de um espelho d´água, e onde começou a sua paixão incondicional pelas flores. Para quem cansou de ouvir dos locais de Granville “isso cheira à Dior…” (referindo-se ao mau cheiro que as fábricas lançavam ao ar), ele vingou-se com coleções que exalavam flores e com fragrâncias como “Miss Dior” (em homenagem à irmã Catherine) ou “Diorissimo” (baseado na muguet, sua flor fetiche).

A morte prematura de Madeleine, em 1931, foi um choque para Christian. Aliás foi um ano infeliz para toda a família cujas empresas começaram a falir uma atrás da outra. A venda dos imóveis para saldar as dívidas culminou tristemente com a casa de Granville. Posteriormente Christian tentaria readquiri-la por diversas vezes, mas o proprietário recusou-se terminantemente a vendê-la. Furiosamente contrariado jurou nunca mais pisar em Granville para o resto de sua vida!



Sua paixão pela arquitetura ele exprimiu na construção de vestidos que ele chamava de “arquiteturas efêmeras destinadas a embelezar o corpo da mulher”. Em sua curta carreira Christian apresentou 22 coleções, todas um sucesso, tanto de crítica quanto comercialmente. A primeira, em 1947, trouxe fama imediata com um desfile de 90 looks e apenas 6 modelos… Naquela Paris de pós-guerra, decidiu que as mulheres deveriam se libertar da humilhação de vestir roupas de tecidos baratos com jeito de uniforme (ombros quadrados e saias curtas). Ele propunha roupas femininas e delicadas, com corte acinturado, ombros estreitos, saias abaixo do joelho. Tudo com muito tecido fino para desespero da França ainda em período de restrições (algumas saias chegavam a consumir 40 metros!). O governo britânico chegou a pedir que as mulheres boicotassem o estilista, mas o pedido foi pro limbo quando a Princesa Margaret apareceu em público vestindo Dior com a seguinte declaração: “Nós não podemos ditar às mulheres a altura de suas saias!”. Aliás a polêmica coleção tinha o “dedo” de Madeleine - Christian atribuía a inspiração às roupas que a tão amada mãe vestia…



No número 30 da Avenue Montaigne, o mesmo luxuoso endereço que a Maison Dior está instalada até hoje, reuniu pessoas de grande talento para trabalhar com ele: Pierre Cardin e Yves Saint Laurent foram os assistentes que mais tarde tiveram suas próprias maisons. Pierre confessa: “Com ele aprendi o que era a verdadeira elegância, sem Christian Dior eu não poderia ser Pierre Cardin”.

Apenas 10 anos depois de inflamar o mundo da moda, Christian morria de ataque cardíaco na Itália, tinha 52 anos. Os últimos meses foram martirizados com injeções de todos os tipos: para acordar de manhã, para ter apetite, para conseguir dormir… A casa onde ele passou os melhores anos de sua vida, ao lado da mãe e em torno do jardim, finalmente é sua para sempre. “Les Rhumbs” foi transformada em museu em 1997, o único da França dedicado a um estilista. Lá a maresia se mistura ao perfume natural do jardim e uma tela de árvores protege as flores que tanto o inspiraram. Christian dorme feliz.

samedi, juillet 08, 2006

Dalida, a Musa de Montmartre

Quem passa pela esquina das ruas Girardon e Abreuvoir não fica alheio ao imponente busto de Dalida, uma das musas francesas que desde 1997 tem praça quase ao lado do château onde morou em Montmartre (além de Dalida, apenas as mulheres Joana D’Arc e Sarah Bernhardt possuem estátuas em Paris!). Dalida foi a primeira artista a receber um disco de ouro e de diamante, fez quase 40 anos de sucesso ininterrupto cantando em francês e italiano, principalmente. Gravou mais de 500 músicas francesas e italianas, 200 em outras línguas. Vendeu mais de 80 milhões de discos pelo mundo e ganhou inúmeros prêmios, incluindo 55 discos de ouro. Dalida não era francesa, nasceu Yolanda e no Egito, filha de italianos. Viveu um destino escabroso, desses que se o Ed Fukuda (bpolar.blogspot.com) escrevesse iria deletar praguejando: “ah não, isso é muito forçado!!!” Mas tenho aprendido que a vida real é muito mais absurda que a ficção e Dalida é só mais um exemplo disso.


Ainda bebê, a petite Yolanda contraiu uma terrível infecção nos olhos. Por causa disso sofreu algumas cirurgias e foi obrigada a usar óculos desde cedo. Na infância frequentou aulas de canto incentivada pelo pai, o primeiro violinista da Ópera do Cairo, e se descobriu a sua bela voz. Apesar disso cresceu complexada acreditando que os óculos a deixavam horrível. Aos 13 anos decidiu dar um basta à maldição dos 4 olhos: arremessou-os contra a janela preferindo enxergar o mundo como um borrão do que danificar a própria aparência! Fascinada pelas estrelas de Hollywood sonhava um dia ter uma vida de glamour e abandonou a idéia de ser secretária, como a família gostaria, para trabalhar como modelo no Cairo. Nesta época decidiu participar do concurso Miss Egito 1954 do qual saiu vencedora. Então as portas do cinema se abriram: foi convidada pelo diretor francês Marc de Gastyne para se tornar a morena vamp Dalida. A família relutou, chorou e esperneou para que Yolanda Christina Gigliotti não deixasse o Egito, mas ignorando os apelos chorosos a voluntariosa Miss parte para começar uma nova vida em Paris. E para desespero da mãe fervorosa, justo no dia de natal…

No início a vida não foi tão repleta de glamour assim… Sozinha, numa cidade muito diferente do Cairo, Dalida sobreviveu com parcos recursos. Mas a pré-estrela estava determinada a mudar as coisas e alguns meses depois estava cantando num cabaret da Champs Elysées e, fora o fato de que enrolava o “r” de forma exagerada, Dalida já era um sucesso. Mas a notável ainda não tinha um contrato…foi quando apareceu Lucien Morisse oferecendo a música “Madonna” e logo depois “Bambino” – que trouxe fama e fortuna instantâneas à Dalida. Tudo isso ainda em 55, apenas alguns meses depois da sua partida do Egito. 56 foi o ano do triunfo: abriu o show de Charles Aznavour e colocou o Olympia abaixo com o sucesso “Bambino”. Foi capa de várias revistas francesas e embarcou para uma tour extensa. Sua fama se espalhou para o resto da Europa e de volta å Paris gravou outro single sob a supervisão de Lucien Morisse. O casal alimentava um romance em intermináveis horas de trabalho, mas Morisse ainda não havia se divorciado da esposa e Dalida estava cansada de esperar por um anel de noivado. Após longos anos de hesitação o casal finalmente se casa, mas algumas semanas após as bodas Dalida aterrissa em Cannes para um concerto e se apaixona por Jean Sobieski. O cantor, obviamente, joga o casamento de Dalida para cima do telhado… E apesar de ela reconhecer que devia muito à Morisse, pondera que o mais importante da sua vida é a independência. Morisse se recusa a aceitar, mas é forçado a aceitar os fatos…

No verão de 62 Dalida está no topo das paradas com o single “Petit Gonzalez” (clássico absoluto da cantora). Nessa época compra seu famoso château em Montmartre, perto da Sacré Cœur, da onde se tem a melhor vista de Paris. A mansão, na época chamada de Castelo da Bela Adormecida, poderia ter sido um refúgio tranquilo para Dalida viver pelo resto de sua vida com o seu príncipe encantado, mas, entretanto, contudo, assim que se mudou para a nova casa Dalida rompe com Sobieski e sofre uma mudança radical de imagem, metamorfoseando-se de morena para uma loura estonteante. Esse novo visual coincide com uma fase musical mais sofisticada; mas enquanto sua carreira é só sucesso, a vida sentimental continua triste - a princesa volta ao seu castelo de fadas sozinha todas as noites.


Mas eis que em 66 uma gravadora italiana apresenta um talentoso e jovem compositor para a bombshell, Luigi Tenco. Eles se apaixonam à primeira vista e começam a passar bastante tempo juntos trabalhando numa música para o Festival de San Remo. Completamente apaixonados causam comoção ao anunciar o casamento relâmpago e decidem que se apresentarão juntos no festival cantando a versão que fizeram para a música “Ciao Amore”. Infelizmente San Remo é uma catástrofe porque nenhum dos dois imaginava não ganhar o prêmio e Luigi fica histérico. Bêbado insulta os membros do júri acusando-os de corruptos. Assim que volta para o hotel se suicida… Dalida, devastada pela morte de seu amor tenta se matar engolindo pilhas de barbitúricos.

Após o funesto episódio a viúva começa a procurar explicações para as tragédias da sua vida: devora livros de filosofia e se torna devota de Freud. Começa a praticar ioga e meditação, viaja para o Nepal, estuda a religião Hindu, vai para a Índia seguir os ensinamentos de um guru, faz análise com um psiquiatra junguiano em Paris – é uma fase intensa de auto-conhecimento.

Em 70 lança o enorme hit “Darladiladada” e grava o clássico “Avec le Temps”. Em setembro um novo drama sobrevém: seu ex-marido e empresário, Lucien Morisse, se mata com um tiro na cabeça… Em 72 ela aparenta ter adquirido um novo grau de serenidade e grava com o amigo Alain Delon “Parole Parole” (adaptação francesa para uma conhecida música italiana). O renascimento da cantora impulsiona sua vida pessoal - um novo admirador cai a seus pés, Richard Chanfray, que preferia ser chamado de Conde de Saint Germain. Aparentemente um impostor, longe do título que ostentava, Chanfray era totalmente devotado pela deusa platinada e dava a Dalida um novo sentido para a vida. O romance põe fim às viagens para a Índia e sua intensa busca de espiritualidade.

Mas como dizem, “sorte no jogo, azar no amor”, enquanto sua carreira continuava estelar, a vida pessoal era um buraco negro. A separação de Richard Chanfray foi extremamente dolorosa e Dalida se afundou no trabalho para tentar esquecê-lo, afinal era o primeiro homem que a deixava. Passados 2 anos a carreira da cantora é dominada por rumores de um affair com o então presidente da França, François Miterrand. Ela decide que é hora de se afastar do país e parte para uma longa turnê mundial que a deixa longe de Paris por 12 meses. Quando retorna à França vai direto para o estúdio gravar um novo álbum, as fofocas em torno dela e Miterrand haviam se dissipado, mas a sua popularidade na França já não era a mesma... E quando se recuperava desse episódio recebe outro duro golpe: seu último amor, Richard Chanfray, havia se suicidado em Saint-Tropez. Arrasada pela morte do Conde, a formosa parece perder o entusiasmo de viver e se entrega a uma letargia profunda. Dalida começa a ter surtos de desconfiança e a sofrer de perda de memória.

Em 84 parte para uma série de apresentações na Árabia Saudita, mas é obrigada a interrompê-la para se submeter a duas cirurgias oculares. Agora parecia que nada mais mudaria em sua vida pessoal. Seus relacionamentos frustrados continuavam e ela aparentava não ter forças para superar a depressão. Em 3 de maio de 87 a diva decide pôr um fim à sua vida tomando uma overdose de pílulas para dormir, a Bela Adormecida finalmente cai em sono eterno. Dalida, que encontrou consolo de seus dramas pessoais apenas nos braços dos fãs deixa um bilhete: “Perdoem-me, mas a vida é insuportável para mim.”


Dizem que a sua alma perturbada vaga por Montmartre e eu tenho pena de Dalida!!!
Rezem por ela!

Idiote à Paris



Paris continua linda e iluminada, mas tem dias que dá vontade de virar estátua! Assim sendo, eu me sinto idiota quando:

• Vou à boulangerie e o atendente é a mesma pessoa que faz tudo: entrega a baguete, pega o dinheiro, dá o troco, limpa o balcão e sabe se lá o que mais precisar sem lavar às mãos entre uma ação e outra. Eu sempre penso que se estivéssemos nos trópicos viveríamos doentes com tanta falta de higiêne. Os norte-americanos são os mais horrorizados, chega a ser engraçado vê-los discutindo porque os franceses simplesmente não entendem o motivo! Ou melhor, não querem, porque são séculos de cultura, cultura da sujeira, bien sûr!

• Tenho que usar um computador com o teclado AZERTY e não QWERTY que é o que você usa. Essa sequência de letras fazem o inferno na minha cabeça, no início pensei que não iria sobreviver, me sentia uma galinha ciscando milhos que não existiam, foi difícil. Ainda acho que fiz mal em comprar um computador com o teclado QWERTY, já que na França eles usam o AZERTY, ou seja, vou me sentir uma idiota sempre que tiver que trabalhar numa máquina que não seja a minha, tsk, tsk.

• Fui ao banco retirar o meu cartão e talão de cheques e levei um susto! Impresso neles estava o nome do meu marido. Sem entender comentei com o gerente que devia ter ocorrido algum engano porque eles haviam colocado Madame seguido do nome e sobrenome do meu marido. E o gerente: “Erraram o nome do seu marido?” Atônita descobri que na França a praxe é a esposa “carregar” o nome do marido… Eu nem havia nascido quando sutiãs foram queimados em praça pública nesta mesma terra pra quê? Pra no final eu receber um cartão eletrônico em que sou a Madame FULANO de Tal. Incroyable!!!

• Só posso entrar na escola em que tenho aula de francês e-x-a-t-a-m-e-n-t-e no horário do meu curso. A primeira vez estranhei que eu era a única em todo o pátio onde cabem mais de 100 pessoas. Logo a seguir apareceu uma senhora, provavelmente a bedel, perguntando o que eu fazia ali. Expliquei que esperava minha aula. Ela pediu minha carteirinha, conferiu o horário e disse para eu voltar apenas às 14h00. Fui dar uma volta e retornei às 13h56 conforme verifiquei no relógio. A mesma senhora veio de novo e disse que eu não podia ficar ali, que era para eu voltar apenas na hora da aula. Sem entender nada disse que eu tinha aula dali a 4 minutos, como era para eu ir embora? Discussão vai, discussão vem, dá 14h00 e a fofa diz que eu posso entrar junto com uma manada que vem a passos largos atrás de mim praticamente me atropelando! Dá para acreditar numa coisa dessas? Quando estiver nevando vou ser obrigada a pegar uma pneumonia porque não posso esperar no recinto! Estou passada até agora, aliás ultra-passada!!!

• Minha garganta fica impregnada de fumaça de tanto que os franceses fumam, é uma
loucura! Os fumantes são maioria e não param nunca, é o tempo todo, em todos os lugares. Soube que na Espanha é pior (difícil de imaginar), mas que a ventilação em espaços fechados é eficiente. Em Paris é impossível permanecer por muito tempo numa casa noturna, num restaurante ou mesmo na casa de alguém sem que eu não comece a tossir e tenha que ir embora para poder respirar. E olha que não sou do tipo chata e nem patrulhadora, é que aqui a fumaça é extraordinária, está além de humildes pulmões condescendentes. Sei que é o início da minha escalada que terminará, na melhor das hipóteses, numa salinha de inalação para tentar desobstruir os brônquios entupidos por cinzas. Com sorte algum fumante estará ao meu lado agonizando de câncer, mas eu sinceramente não acredito nisso.

• A espera pela entrega de móveis é de até 2 meses! E é óbvio que o “até 2 meses” significa categoricamente 60 dias e 60 noites para o desespero de quem não sentava num sofá na própria casa em quase 6 meses!!! Tantas colunas escritas sobre um tapetinho surrado no chão frio do que eu chamo de sala, os dedos prejudicados pelo clima seco a desafiar as teclas do laptop, a maçã do computador a me iluminar e os miados do gato lamentando a falta de ração a me enlouquecer… (perdoem o incômodo pelas tristes memórias, prometo me controlar!). Enfim, o entregador foi embora, eu mesma tirei os móveis das embalagens e descobri que havia mais do que mesa, armário, cadeiras e sofá: uma temível aranha de uns 12 centímetros, furiosamente armada, 8 olhos pestilentos vidrados em mim e pronta a desferir a picada fatal ao menor descuido. Foi demoníaco, estou tensa até hoje com o caso, não posso nem lembrar que fico histérica! Tudo o que eu tenho a dizer é que foi Deus e só Deus quem me ajudou nessa má hora, muita fé e oração até a fiandeira se desmilinguir. Amém!

E por hoje chega de histórias de terror, durmam com os anjos.

Un Portrait



Muito se fala do glamour da vida parisiense e de como seus nativos são pessoas antipáticas, intratáveis e esnobes. Mas poucos sabem de fato como os parisienses, que além do mais são raros (apenas 1 em cada 3), vivem seu cotidiano nesta cidade que incontestavelmente é uma das mais belas do mundo. A seguir a realidade nua e crua em números e estatísticas, que muitas vezes irão te surpreender, afinal o francês é ou não é bonzinho?





• Paris-miúda - a cidade tem apenas 105 km quadrados de extensão (área que abrange o Bois de Boulogne ao de Vincennes) que representam apenas 0,022% do território francês que é praticamente do tamanho das Minas Gerais. Em comparação, Roma e Londres são 15 vezes mais extensas; e Paris é ainda menor que Niterói que ganha por 24 km (129 km quadrados de área no total).

• Paris-densa - a cidade é uma das mais populosas do mundo e a densidade
demográfica continua para o alto e avante: são mais de 20 mil habitantes por quilômetro quadrado! A média francesa se situa nos parcos 111 habitantes. Em São Paulo são raros os bairros que superam a marca dos 20 mil habitantes por quilômetro quadrado, entre eles Cidade Ademar.

• Paris-afável – é uma cidade hospitaleira: 15% dos parisienses são estrangeiros, 3 vezes mais que a média francesa.

• Paris-estrangeira - atualmente os parisienses não representam 19% da população da Île de France – nos anos 60 eles eram 33%. Apenas 1 parisiense entre 3 é nascido na capital francesa.

• Paris-balzaquiana - os habitantes com menos de 20 anos são cada vez menos numerosos (18% da população), mas os da geração de 30 e poucos anos são os verdadeiros donos de Paris: 765 mil recenseados em 1999 e que representam 36% da população. Um retrato que impressiona em relação à média francesa que é de 28%. Em São Paulo os balzaquianos também são os donos da cidade, apesar de quase enfrentarem um empate técnico com os quarentões.

• Paris-anciã - quase 20% dos parisienses têm mais de 60 anos, há 30 anos eles eram 25%. Na capital do Rio de Janeiro, onde a representividade dos idosos é a maior do Brasil, eles englobam 12,83%.

• Paris-solitária - 27% dos parisienses vivem sozinhos, duas vezes mais que a média francesa.

• Paris-matre - é a cidade em que as mulheres retardam mais o momento da maternidade: 31,6 anos é a idade média mais elevada na França onde a taxa de fecundidade é mínima: 1, 59 filhos por parisiense - apesar disso é a cidade em que nascem mais bebês. No Brasil a taxa de fecundidade oscila entre 2,21 filhos (a mais baixa) e 2,75 filhos (a mais alta).

• Paris-coquete - as mulheres são mais numerosas em Paris que nas outras cidades francesas: 53,1% contra a média francesa de 51,5%.

• Paris-sola - os parisienses vão à pé: andam 2 vezes mais que os habitantes das outras cidades francesas. Andar à pé é o primeiro lugar disparado em transitar pela cidade, 53%. Transportes públicos e veículos particulares vêm em seguida. E apenas 2% dos deslocamentos parisienses são feitos através dos 15 mil táxis da cidade, procurados diariamente por 25 mil pessoas.

• Paris-parente-serpente - os parisienses não são “muito família”. Em seus dias livres preferem sair com amigos do que fazer programas familiares. Ao escolherem um endereço levam em conta a proximidade do lugar de trabalho e não a dos membros da família.

• Paris-lazer - os parisienses são os franceses que mais saem à noite e mais vezes por semana, que mais visitam museus fora de Paris, que mais compram livros. Além disso são os que menos se importam com o preço do livro que pretendem adquirir, ao contrários dos outros franceses que sempre levam o preço em consideração.

• Paris-de-estimação: os parisienses têm menos cães e gatos que o resto dos franceses. Apenas 8% dos cães e 12% de gatos da França vivem em Paris.

• Paris-turística – sempre há mais estrangeiros que nativos na cidade: 25 milhões de pessoas visitam Paris a cada ano, é um recorde mundial. Mas a duração média dos viajantes na capital é curta: 2,53 noites contra as 8 noites em média de Nova York ou 6,6 de Londres.

• Paris-seca – a cidade conta apenas com uma piscina para cada 600 mil habitantes!!! Em se tratando de esportes aquáticos Paris é uma lástima francesa…

• Paris-gaiola - cada habitante da cidade dispõe em média de 31 metros quadrados de residência!!!

• Paris-aluguel - é uma cidade de locatários, sendo que a França é um país de proprietários (a média francesa de proprietários de imóveis é de 56%). Além disso, os preços dos aluguéis são altíssimos e os imóveis oferecidos medíocres. Mais velhos que a média geral francesa, cada 2 residências entre 3 foram concluidas antes de 1949 e nao oferecem grandes comodidades:

- Mais da metade das residências parisienses têm menos de 3 peças;
- 11% são ainda desprovidas de banheiro (vaso sanitário interno/banheira ou chuveiro);
- 38 % dos prédios de 5 andares nao têm elevador.

E então, era isso o que vocês pensavam sobre Paris?