paris à go-go

crônicas sobre Paris e de sua ululante gente francesa

dimanche, mai 27, 2007

das cinzas ao pó de ouro...

dia desses encontraram uma pequena urna funerária no metrô... os franceses são assim, só não esquecem a cabeça porque está bem presa no cachecol, esse povo é por demais distraído! pra se ter uma idéia do desapego, são 500 objetos, em média, todos os dias!

o grande campeão desta epidemia crônica é o celular, mas eles também largam pelo caminho patinetes, esquis, palms, casacos e, pasmem, até computadores!!! quando o assunto em pauta é o esquecimento, os franceses não economizam!

uma amiga ouviu miados tristes perto do assento em que estava. Elena-Myriam levantou e foi procurar o miante: encontrou um gatinho dentro da casinha! levou o orfão pra casa, deu cama, comida e carinho, botou a foto do fofo na internet e 2 meses depois apareceu o dono com uma recompensa de 100 euros! e eu achando que tinham esquecido o gatinho de propósito, tsk, tsk.

mas, voltando à urna funerária, além de cinzas ela estava carregada de pó de ouro e de brilhantes! talvez vocês não saibam, mas este é o último grito entre os endinheirados franceses, misturar às cinzas da pessoa querida pedras preciosas. isso pra provar o valor que o dito tem mesmo morto e enterrado, quer dizer, no caso, cremado. até agora ninguém reclamou a urna, da onde eu tiro a conclusão que a pessoa não era tão querida assim ou devia estar assombrando a casa do morador...

o assunto, levado em discussão na minha classe de francês, levantou histórias curiosas, a começar pela professora. Marie-Laure contou que quando estava na faculdade, um amigo a convidou pra passar o final de semana na casa de campo na Provença. Jean-Marie-Baptiste-Louis a instalou na sala, onde havia 2 vasos grandes de porcelana. enquanto ela se preparava pra dormir pediu pro amigo afastar os vasos de perto dela, tinha medo de acordar durante a noite e, desastrada, tropeçar num deles. Jean-Marie-Baptiste-Louis, sorrindo carinhosamente, disse pra que ela não se preocupasse, num dos vasos dormia papa e no outro mama!!! assim que o dia se fez, Marie-Laure arrumou um compromisso de urgência e inadiável para retornar à Paris, hehe.

já a ucranina Olga tem problemas com o gato mumificado na sala de casa. contou que a mãe era muito apegada ao bichinho e quando ele se foi não assimilou a idéia de ficar sem o corpo de Bóris. então mandou mumificar e botou na sala, num banquinho perto da mesa de jantar, lugar preferido de Bóris. e não era só isso: na mesinha de centro ficavam as cinzas de outro gato! como Ivan havia morrido de doença contagiosa, a mãe de Olga queimou o corpinho e guardou as cinzas num saquinho. Olga tem horror de ficar naquela sala, diz que sente arrepios e que isso irrita a mãe.

eu também tinha uma história pra contar: o primo de uma amiga vivia grudado na mãe, morou a vida inteira com ela, eram os melhores amigos um do outro, tomavam os mesmos calmantes e laxantes, faziam todas as refeições juntos. mas um dia, como era de se esperar, Marta se cansou dessa vida em comum e deixou o filho pra trás. Duduzinho, como Marta o chamava, não teve dúvida, colocou as cinzas da amada mãe numa insuspeita caixa de madeira com motivos orientais e deixou sobre a mesa, no lugar sagrado de Marta. era assim que eles continuavam à partilhar as refeições, mesmo quando Dudu, como os amigos o chamam, convida outras pessoas pro jantar...

então a espanhola falou. Maria, que de gótica não tem nada, pelo menos aparentemente, disse que isso tudo era normal, que nada lhe espantava. guardar as cinzas de alguém querido é uma recordação definitiva, quase como se fosse uma foto e que deve ter um lugar de honra dentro da casa. Maria guarda as cinzas dos avós e do pai na sala do apartamento em que divide com o marido. às vezes ela os leva pra passear: se tem a exposição de algum artista interessante, Maria leva o avô que amava arte; se o dia está ensolarado, Maria pode levar a avó ao parque; quando se sente insegura, Maria bota o pai dentro da bolsa. e assim, cada morto tem o seu dia de festa.

faz 7 meses que Maria senta do meu lado e eu jamais imaginei que ela pudesse sair com mortos dentro da bolsa. depois disso me questionei quantas vezes eu já não teria ficado lado a lado com os seus parentes. daí eu explico aquele cheiro de mofo e os meus ataques de espirro durante a aula, HAHAHAHAHA!

jeudi, mai 03, 2007

"Dalida, le monde pour destin"

Foi num domingo de sol, em 3 de maio de 1987, que Dalida decidiu partir por conta própria, tinha 54 anos. No seu bilhete de adeus poucas palavras, mas que resumiam bem a sua tragédia pessoal: “A vida me é insuportável, me perdoem”.

Dalida viveu seu papel de diva com grande empenho. Sua beleza dourada e a alma angustiada que tanto nos seduziram, viveram momentos de glória e triunfo, mas também mataram todos os seus amores… A alma de Dalida, frágil e ciumenta de si própria, preferia a solidão.

Não foi a primeira vez que a estrela decidiu brilhar em outra constelação. Vinte anos antes, também num domingo, Dalida premeditou a sua morte. Tinha então 34 anos e estava no auge da carreira, mas o seu grande amor, o italiano Luigi Tenco, tinha se suicidado há exatamente 30 dias com uma bala na cabeça. Desde esta terrível perda, Dalida nunca mais foi a mesma.

Em 27 de fevereiro de 1967 tudo havia sido pensado e calculado. Dalida colocou suas coisas em ordem e providenciou para que nada pudesse faltar aos seus queridos, especialmente para a sua mãe. Para poder agir com tranquilidade e não ser descoberta no meio do “pulo” – ela tinha certeza do que queria -, Dalida avisa aos amigos que iria viajar. A encenação vai até o aeroporto de Orly, da onde ela retorna de táxi, disfarçada de “mulher comum”, para a sua casa em Montmartre.

Trancada em seu quarto, refugiada no silêncio, Dalida escolheu uma camisola branca de dentelle, se maquiou cuidadosamente e penteou os longos cabelos. Escreveu quatro cartas de despedida e se deitou na cama imensa à espera dos sonhos. Os três tubos de soníferos começaram a fazer efeito, Dalida ia de encontro ao seu amor. Mas no meio do caminho, um imprevisto... A empregada zelosa se intrigou com o bilhete pendurado na porta desde a véspera: “Não perturbar”. E assim o seu sono foi cortado e a Bela Adormecida foi forçada a voltar para este lado após 72 horas de "passeio".

Dias mais tarde, bela, como nunca deixou de ser, Dalida dizia:

“Foi o cansaço que me matou. Uma manhã ele se instalou junto de mim e não mais me abandonou… Hoje, Luigi Tenco está morto. Ele morreu para provar, talvez, que era digno de amor. Eu morri porque me amavam demais. Luigi Tenco partiu obrigado, sem verdadeiramente querer; eu o segui querendo muito."

"Eu me afundei em letargia depois da morte de Luigi. Minha vida não representava nada mais que uma caminhada sem futuro, nada mais existia de fato. Eu quis morrer sem nenhuma raiva de mim. Eu quis morrer como se executa um trabalho necessário, resolvido, decidido, sem me querer mal. Eu morri como alguns que se abandonam, ausentes, à um jantar que lhes aborrece. Eu não farei novamente. Mas eu não ofendi à Deus, eu não acredito. Deus não pode se ofender por àqueles que quiseram tirar a vida por boas razões. Os mortos sentem muito mais falta dos vivos que os vivos dos mortos…”


Vinte anos após a sua partida, ela vive em cada música entoada por sua voz suave, em cada imagem marcada por seu olhar arredio, em cada fã apaixonado. Em "Dalida, Paris pour destin", a primeira exposição em homenagem à grande artista, ela vive em plenitude. Imagens, fotos e documentos inéditos serão exibidos pela primeira vez, além de objetos, vestidos, e souvenirs pessoais. "Dalida, Paris pour destin", se estende até 8 de setembro no Hôtel de Ville e, segundo o prefeito de Paris, é uma maneira de lhe dizer obrigado.

Dalida, de fato, nunca morreu.