paris à go-go

crônicas sobre Paris e de sua ululante gente francesa

mardi, octobre 31, 2006

comes&bebes da Paris medieval

enfim descobri toda a verdade: as pessoas realmente se alimentavam em Paris na Idade Média! nada de pílulas ou energia prana, aquela gente sentava à mesa e comia, nada muito diferente de nós. os pobres também, naturalmente, comiam… pouco, é lá bem verdade, as coisas não mudaram tanto desde os idos de 1200. assim já seria querer demais! c’est la vie!

nos mercados de Paris, à ceu aberto, podia se achar de tudo, inclusive pratos prontos: era o tão falado fast-food medieval! na então praça de alimentação da Notre-Dame, saía muitos pedidos de “porées chaudes”, uma espécie de puré de legumes e gaufres, mas o que o povo gostava mesmo eram das massas, tudo servido em potes de cerâmica descartáveis. grande parte dos parisienses tinha apenas um braseiro para esquentar a comida ou cozinhar um ovo, então as massas caíam bem. sem opção, meus antecessores viviam defumados em seus casebres mal ventilados. os fornecedores ambulantes não ajudavam, colocavam seus “fornos portatéis” à disposição apenas dos endinheirados; então quem podia levava um peixe para dourar, uma carne para assar e até comprar molho pronto. aos burgueses nada faltava, o mundo já lhes estendia o tapete de gala!

o peixe chegava fresco graças aos pescadores da Normandia, que entregavam toda a noite na rue des Poissoniers. o gado vinha marchando do campo até o quartier chamado de “Grande-Boucherie”, nas redondezas da lindíssima Torre Saint-Jacques. os animais jovens ficavam para os ricos, os pobres se contentavam com minúsculos pedaços que se podia ver boiar dentro da sopa por uma lente de microscópio ultra-sensível. uma curiosidade: os animais podiam ser abatidos nos cemitérios da cidade e a carne deveria ser vendida em, no máximo, 3 dias, era o regulamento da profissão. se respeitavam? eu duvido!

nossos abonados parisienses adoravam carne a tal ponto que sofriam de gota e colesterol alto. as contas dos conventos provam que os monges atingiam a incrível marca de 6.000 calorias por dia!!! se um bife à parmegiana de 200 gramas equivale à 700 calorias, imaginem o quanto estes pobres vassalos de Deus não comiam! (alguma dúvida sobre o estereótipo de gordo atarracado que os monges europeus sempre tiveram?). queijo? sim eles comiam. acreditavam piamente que o laticínio ajudava a carne à assentar no estômago.

o parisiense consumia perto de 1 kg de pão por dia. Mas ricos e pobres tinham as suas diferenças: o pão branco ficava com os ricos, o misturado para os burgueses, o preto para os humildes e os porcos. No Castelo de Château-Thierry, cujo único vestígio é a Torre de Jean-sans-Peur (literalmente João-sem-Medo, dizem que ele era o cão!), o padeiro que dividia uma cozinha de 3.000 metros e que empregava 70 pessoas, assava entre 600 a 700 pães albinos por dia!

a melhor água que havia era a que caía do céu, rotulada de "água-maná". a do Sena e dos poços estavam regularmente poluídas, se desaconselhava a utilização mesmo fervida. se bebia cerveja, vinho e sobretudo água misturada ao vinho para disfarçar o gosto ruim da dita e fazer o milagre da multiplicação. não é à toa que o cólera era uma das doenças que mais assolava os medievais.

as receitas medievais exageravam nas especiarias: pimenta, canela, gengibre, açafrão, cravo, etc. eram apreciadas tanto por suas características excitantes quanto pelo colorido que davam aos pratos. mas os parisienses da época tinham outros defeitos: consumiam pouquíssimas frutas. os arqueólogos encontraram indícios de que comiam azeitonas e figos do Mediterrâneo, framboesas, morangos e maçãs - fruta que dava como chuchu na cerca. se comia como petiscos, principalmente antes de banquetes. as crianças medievais também gostavam de roubar maçãs nos pomares dos nobres.

o povo geralmente fazia a sua primeira refeição às 11h00 e a segunda e última às 17h00, eram pratos bastante simples e pouco variados, se comia praticamente a mesma coisa todos os dias: sopa à base de ervilhas quebradas, feijões secos, legumes ou ossos. pra dar um gosto eles misturavam pimenta, alguma especiaria que estivesse à mão ou alho. queijos, ovos e carne apenas em ocasiões très especiais, eles mal sentiam o cheiro dessas iguarias. um costume muito apreciado era o de se cozinhar dentro das bacias de água com sabão, onde havia se lavado a roupa... dizem que o sabor que "pegava" na comida não tinha igual!

na mesa do rei, em Vincennes, os arqueólogos encontraram traços de 23 tipos de peixes, sendo que 80% eram de água salgada. nas cozinhas reais se saboreavam banquetes de camarões, carpas, esturjão e salmão. na casa dos poderosos as refeições eram verdadeiros festivais. constituídos de 5 serviços, cada um comportava vários pratos os quais os convidados tinham acesso segundo a sua posição social. entre o prato principal, (invariavelmente um assado) e a sobremesa, os pratos do meio eram uma verdadeira demonstração da imaginação dos chefs. já imaginou um castelo feito de massa preenchido por aves que voavam no meio do serviço? que tal uma cauda de pavão em folhas de ouro ou almôndegas disfarçadas de maçãs verdes? para os nobres guerreiros eles poderiam apresentar um galo com elmo montado num leitão, idéias fantásticas não faltavam!


mas o que os ricos e famosos da Era Medieval gostavam mesmo era de ver os seus brasões esculpidos nas tortas e potes de geléia, era uma gente que gostava de ostentar e aparecer. outra coisa divina que o rei fazia era “tatuar” o próprio rosto nas maçãs, veja que idéia delicada! caso você seja proprietário de uma macieira pode copiar a idéia, eu ensino: quando a maçã ainda estiver verde, você deve encapá-la com um saquinho vazado com o formato do seu rosto ou outra imagem que você queira. assim que a maçã estiver madura e vermelha o seu rosto estará impresso nela, não é maravilhoso? Versailles ainda faz assim, não esqueça de pedir a sua maçã real! eu já tenho a minha, bien sûr!

lundi, octobre 23, 2006

Santos=Dumont, um Gênio Alado

Se teve algum brasileiro que abalou Paris de verdade, este foi Alberto Santos=Dumont, não há dúvida! Durante o tempo em que viveu aqui, ele fez e aconteceu com as suas diversas experiências aéreas mais que mirabolantes, conquistou todas as classes sociais com a sua “loucura”, simpatia e delicadeza, foi aclamado como herói! Não era pra menos, ele realmente foi o máximo! E assinava com o sinal de igual entre os seus sobrenomes para indicar que as suas ascendências (brasileira + francesa + portuguesa) eram igualmente importantes. Foi um patriota fervoroso.

O bebê Alberto aterrissou no mundo em 20 de julho de1873. O seu berço ficava numa pequena fazenda chamada “Cabangu”, em Minas Gerais, e ele foi o sexto filho dos oito que tiveram Henrique Dumont e Francisca Santos. O pai, filho de imigrantes franceses, formou-se em Paris antes de iniciar a carreira profissional no Brasil, como engenheiro de obras públicas. A mãe era neta de portugueses e filha do comendador Francisco de Paula Santos, dono de terras de extração de ouro, na região de Mariana.

Desde cedo, o petit Alberto engendrou uma relação íntima com máquinas e motores, ele queria saber tudo, adorava saber como funcionavam. Depois que o seu pai terminou a construção da estrada de ferro, em Minas, a família se mudou para a fazenda do avô, em Valença, norte do Rio de Janeiro. Lá, ele conheceu toda a maquinaria de beneficiamento do café e ruminou suas primeiras idéias. Aos 12 anos, totalmente dono de si, teve autorização do pai para dirigir locomotivas. Era um pré-adolescente prodígio!

A partir de 1888, já adolescente e talvez com algumas espinhas, consumia Júlio Verne com voracidade: “A Volta ao Mundo em 80 Dias”, “Vinte Mil Léguas Submarinas”, “A Ilha de Hélice”, “A Casa a Vapor”. Em seu livro “O Que Eu Vi, O Que Nós Veremos”*, Alberto conta que as suas primeiras lições de aeronáutica foram com Julio Verne, a quem chamou de “vidente da locomoção aérea e submarina”.

Em 1891, numa exposição de máquinas que visitou com o pai, no Palais de l'Industrie, ficou maravilhado ao ver pela primeira vez um motor à petróleo (este era Santos=Dumont!!!), e achou que poderia tornar reais as fantasias de Julio Verne. Entusiasmado, pediu ao pai que o deixasse estudar em Paris. Naquela mesma noite, durante o jantar com a família francesa, o pai informava que Alberto retornaria para fazer os seus estudos. Então ele correu por Paris e comprou todos os livros que encontrou sobre balões e viagens aéreas.

Dias depois, numa típica manhã de garoa, em São Paulo, seu pai o levou até um cartório e, sem dizer nada, o emancipou. Tinha 18 anos. No escritório de casa, mirou fundo nos olhos penetrantes de Alberto e disse seriamente: “Já lhe dei a liberdade, aqui está o capital”, e entregou vários títulos de grande valor. Tossiu um pouco, tinha a garganta arranhada, e completou: “Estude com os especialistas de Física, Química, Mecânica, Eletricidade e não esqueça que o futuro do mundo está na Mecânica. Você não precisa pensar em ganhar a vida; eu lhe deixarei o necessário para viver…”.

E foi assim que Alberto partiu do Brasil. Em Paris, estudou e viajou durante alguns anos. Trabalhava com afinco, mas em segredo, não tinha coragem de colocar em prática as suas idéias, elas deveriam ser estranhas demais até para ele, hehe. Estava no Rio de Janeiro e contemplava o infinito quando chegou em suas mãos um livro do construtor Lachambre. Ele descrevia o balão utilizado numa expedição para o Pólo Norte, em 1897. Com o coração aos sobressaltos Alberto decidiu: era o momento de retornar à Paris!

A primeira coisa que fez foi procurar por alguém que fizesse um passeio de balão com ele. Lá em cima, ficou em êxtase com a cidade coberta pela neve e diz que compreendeu perfeitamente todas as manobras do piloto, era como se ele realmente tivesse nascido para a aeronáutica - enfim, Santos=Dumont se descobria! Conversando com o piloto, demonstrou sua vontade de construir um pequeno balão; teve como resposta que poderia ter seda japonesa de peso insignificante. Assim nasceu o “Brasil”, um balão de apenas 100 metros cúbicos, quando o normal era de 250! Alberto já começava arrasando! Vaidoso, ele conta que o “Brasil” era lindo na sua extrema transparência e que os parisienses ficaram encantados com a grande bola de sabão que flutuava sobre a cidade. Alguém duvida?

Um dia, acordou mais animado do que de costume e saiu para comprar um triciclo à petróleo. Foi até o Bois de Boulogne, pendurou-o por 3 cordas num galho e o suspendou do chão. Pulou feito criança quando se deu conta que o triciclo suspenso vibrava suavemente, o que não acontecia em terra firme. Correu para o Automovel Club, ainda não existia o Aero Club, e falou ofegante que pretendia subir ao céu levando um motor sob um balão. Disseram que se ele quisesse se matar, o melhor seria sentar num barril de pólvora, HAHAHAHAHA! Era uma gente pequena e sem visão!

Suas experiências aéreas começaram no final de 1898. Conta que, para ele, foram muito interessantes, principalmente pelo fato de ver um motor trepidando e roncando nos ares. Alberto acreditava que foram estas suas experiências que impulsionaram a fundação do Aero Club da França, o primeiro do mundo, no que ele tem toda a razão.

Então construiu um balão ovóide e sofreu uma queda terrível, de centenas de metros, achou que havia chegado a sua hora. Mas não desistiu e com este balão, o Nº3, atravessou novamente Paris. Com isto iniciou-se uma discussão de como seria possível ir, com um balão, de um ponto a outro e voltar ao de partida. Corria o ano de 1901 e o Prêmio Deutsch, oferecido por um senhor milionário, tímido e simpático, Deutsch de La Meurthe, foi lançado: 100 mil francos seriam entregues ao primeiro aeronauta que nos próximos 5 anos partisse de St. Cloud, circum-navegasse a Torre Eiffel e voltasse ao ponto de partida em menos de 30 minutos. Alberto não disse nada, mas sabia que o prêmio era dele, tanto que no dia seguinte iniciou a construção do balão Nº4 e também de um hangar, o primeiro do mundo, em St. Cloud.

Dessa vez optava por um balão fusiforme e comprava o motor de maior potência e o mais leve da época: 9 cavalos e 100 quilos… Sim, a vida era áspera para um inventor naqueles anos, mas, o golpe de sorte, era que o único concorrente de Santos=Dumont nunca conseguia fazer o seu balão subir. E assim nosso gênio embolsava os juros do Prêmio Deutsch!

Na calada da noite de 12 de julho de 1901, quando todos os parisienses dormiam e sonhavam que a França era o centro do universo, Alberto levava o seu Nº5 para o hipódromo de Longchamps. No alto, começou a fazer pequenos círculos com o dirigível sobre o bairro de Puteaux. Voava leve e solto quando todas as usinas acionaram seus apitos e sirenes, foi um pandemónio! Pousa em Longchamps e, movido pela emoção, diz aos amigos e mecânicos que o acompanhavam na aventura, que queria porque queria ir até a Torre Eiffel. A princípio não gostaram muito da idéia, mas são convencidos pelo espírito desbravador de Santos=Dumont - era incrível, ninguém mais conseguia segurar aquele homem, HAHAHAHA! O problema foi que ele perdeu o controle do dirigível perto de Trocadero, mas conseguiu aterrissar no jardim. Resolvido o contratempo, parte de novo, dá a volta na Torre e retorna à Longchamps. Naquele mesmo dia a imprensa anunciava ao mundo que estava resolvido o problema da dirigibilidade dos balões. Santos=Dumont triunfava!

Também neste dia, provavelmente alguma conjunção bastante favorável em seu mapa astral, começava a sua grande popularidade em Paris, ele se tornava um super-star, a celebridade dos balões! Alberto conta em seu livro, que os constantes aplausos que recebia davam força a ele e seus companheiros a continuar a luta contra tantos insucessos e perigos. Nesta saraivada de felicitações, conta que o cartão que mais o emocionou foi o que recebeu de Thomas Edison, para ele o maior inventor daqueles “tempos modernos”. Na mensagem Edison o chamava de “Bandeirante dos Ares”.

Naquela noite Alberto comemorou, se esbaldou, brindou e tomou várias taças de champagne, comeu caviar, beliscou macarons, e algumas horas depois, exatamente às 6h41, ele voava novamente ao lado da Torre. Era o dia 13 de julho. Toda a Comissão Científica do Aero Club estava presente e desenhava cada movimento em seus moleskines. O vento, enciumado da fama de Santos=Dumont, o joga em cima das árvores do verdejante parque do Barão de Rotschild. A decepção é geral! O pior é que o balão deveria ser desmontado com o máximo de cuidado, porque era com ele que Alberto pretendia ganhar os 100 mil francos. Persistente, apesar do cansaço, firme, apesar da fome atroz que o abatia, Alberto seguiu em frente entoando o seu ditado preferido: “quem quer vai, quem não quer manda!”. Lá pelas tantas, teve uma agradável surpresa: Princesa Isabel, vizinha do Barão de Rotschild, mandava entregar uma deliciosa cesta de lanche. Junto, um bilhete em que dizia saber que ele estava trabalhando por horas a fio, e que imaginava as angústias que a sua mãe deveria sofrer ao seguir de tão longe as peripécias do filho. A Princesa o presenteva com uma pequena medalha e esperava que, assim, sua mãe ficasse reconfortada, sabendo que ele a traria consigo sempre que subisse aos céus. Alberto nunca mais abandonou a medalha.

Quando este balão é colocado novamente no ar, outro acidente! Após circum-navegar a Torre, a máquina sofre uma pane e toca o telhado de uma casa. Alberto ficou desconsolado, o balão estava totalmente destruído e não sobrara um pedaço maior que de um guardanapo! Pra piorar tudo, ele ficou dependurado por algumas cordas em posição perigosa e se salva por milagre com a ajuda dos bombeiros (quiça da medalha da Princesa, hehe). Neste dia é desencorajado a continuar por amigos e jornalistas, mas ele diz que jamais conseguiria contrariar o seu temperamento de, nas palavras dele, “sportsman”. Felizmente, para a humanidade, Santos=Dumont era um osso duro de roer!

Começa a construção de um outro balão, o Nº6. Em 3 semanas ele teria que estar pronto! Como o nome de Alberto era “trabalho intenso-duro-incansável”, isso foi possível. Então ele sobrevôou novamente a Torre, a uma altura de 250 metros, acima de uma enorme multidão que gritava, aplaudia histérica e acenava com lenços e chapéus jogados para o alto. Depois de apenas 2 anos da criação do Prêmio Deutsch, Santos=Dumont finalmente o arrebatava! E distribuiu os francos assim: 50 mil para os mecânicos e operários das usinas que o ajudavam e o restante, aproximadamente 80 mil francos, para cerca de 4 mil parisienses pobres, distribuídos, a seu pedido, em donativos de 20 francos. Era uma alma caridosa além de tudo!

Nesta ocasião, o então Presidente da República, Campos Salles, lhe enviou uma medalha de ouro e um grande prêmio em dinheiro, oferecido pelo Congresso Nacional. O Aero Club e o Instituto da França também lhe condecoraram. Alberto continuava na luta, ainda não tinha chegado ao seu objetivo.

Depois do Nº6 construiu vários balões que não lhe deram o resultado esperado. Com o Nº9 fez inúmeros passeios sobre Paris, inclusive descendo na porta do prédio onde ficava o seu apartamento, na Champs-Elysées - Santos=Dumont também foi um homem muito chique e refinado. Com este balão, quase todas as tardes voava até o Bois de Boulogne e conta que foi o seu “filho” mais popular, só ultrapassado pela “Demoiselle”. Mas após todos estes feitos, Santos=Dumont estava virando motivo de piada, ou como ele diz, chalaça. Falavam os maliciosos: “O senhor não faz nada? Está sempre fechado em seu quarto, dormindo?”. É aquilo: ou você mata uma hidra de lerna por dia ou jamais será deixado em paz!


Resolveu tirar umas férias no Brasil. Nada melhor que o calor dos trópicos para desanuviar a mente. Visitou o Rio, São Paulo, Minas e alguns estados do norte. Seria tudo sol e felicidade, se não houvesse uma tristeza: a ausência do pai. Sim, aquele que tanto lhe ajudara e proporcionara todos os meios para que ele, seu amado filho, realizasse o seu sonho, não estava mais para assistir ao seu sucesso de camarote. Aquilo lhe apunhalava! Conta, humilde, que tudo que a vida lhe havia dado devia tão e unicamente ao seu querido pai.

Então “dormiu” mais 3 anos e, em julho de 1906, nosso melancólico adormecido despertou numa fantástica manhã de verão parisiense. Estava pleno de energia, queria voar e mostrar a todos do que ainda era capaz! Apresentou-se no campo de Bagatelle com o seu aparelho grande e biplano, onde dependurou o seu último balão, o Nº14, por isso batizado de 14-Bis. Com essa máquina híbrida, fez várias experiências, habituando-se com as manobras e a pilotagem do aeroplano, foi quando se desfez do balão. Era o toque do gênio! Ensaiou vários vôos, corrigiu os problemas técnicos que observou e em 23 de outubro de 1906, perante a Comissão Científica do Aero Club e de imensa multidão, fez o célebre vôo que confirmou totalmente a possibilidade do homem voar! Paris ficou em festa, todos foram dispensados do trabalho para comemorar na Champs-Elysées! Tudo bem, tudo bem, não rolou dispensa…

Alberto conta que esta experiência, e a de 12 de julho de 1901, foram as que mais felicidade lhe proporcionaram na vida. Orgulhoso, ele conta que importantes revistas e jornais de todo o mundo consideraram o seu vôo com o 14-Bis um acontecimento histórico. Como fariam diferente?

Passaram-se 2 anos e então vieram os "Irmãos Wright Cara-de-Pau" contando vantagem, dizendo que tinham voado e atingido os céus muito antes, mas que preferiram fazer tudo às escondidas… Com revolta contida, Santos=Dumont disse que jamais tiraria o mérito dos "Irmãos", a quem ele devotava grande admiração, entretanto, o que Edison diria se depois de apresentar a lâmpada elétrica outro inventor aparecesse com uma melhor dizendo que a tinha inventado antes? Alberto enche os pequenos pulmões de ar, ele tinha apenas 1m60, e desabafa:

“A quem a humanidade deve a navegação aérea pelo mais pesado que o ar? Às experiências escondidas dos irmãos Wright ou a mim que fiz todas as demonstrações diante de comissões científicas e em plena luz do sol e que todos qualificaram como o "Minuto Memorável na História da Aviação?”


Pois é, nós, os franceses e algumas pessoas sérias espalhadas pelo mundo sabemos, mas a “história” que se conta, invariavelmente, é parcial…

A vida de Alberto Santos=Dumont foi bem maior que isso e ele merece todo o nosso respeito por todas as escolhas que fez. Fico feliz em imaginar que 100 anos atrás ele estava aqui, fazendo Paris explodir de tanta euforia por ser a primeira cidade do mundo a ver um homem voar de verdade. Que o seu espírito perseverante, desbravador, visionário e aventureiro permaneça sempre entre nós!


*Escrito no Brasil, em 1918, o livro “O Que Eu Vi, O Que Nós Veremos”, é um relato de todos os seus feitos, pensamentos, desabafos, visões sobre o futuro (que se confirmaram), reprodução de matérias de jornais e revistas francesas, fotos de seus dirigíveis, da medalha da Princesa. Está disponível no site: http://www.cabangu.com.br/pai_da_aviacao

mercredi, octobre 11, 2006

o estilo Paris de se vestir

é claro que vocês não pensam que os parisienses se vestem como nas revistas de moda, isso é o mais puro e bem feito marketing, coisa pra inglês ver e morrer de inveja, como eles costumam mesmo morrer, hehe. mas no mundo fora das revistas, a realidade sempre nos trai impiedosamente, até mesmo numa cidade tão sensível como é Paris. fiz uma lista dos estilos que imperam nas ruas, coisas do bem e do mal usadas despretensiosamente e que, por isso mesmo, refletem a alma deste guarda-roupa tão especulado. tirem as suas próprias conclusões.


• sapatilhas – não vou mentir, se anda muito em Paris. as estações de metrô praticamente não têm escadas rolantes e as correspondências entre as linhas são longas. se gasta muita sola de sapato no dia-a-dia parisiense, em um ano e meio já tive que refazer duas botas… não é à toa que um dos principais males do povo se relaciona ao joelho. então, as sapatilhas se espalham pela cidade como formigas endiabradas. elas são multi-coloridas, bordadas de paêtes ou miçangas, douradas, prateadas, invariavelmente chamativas; as francesas não têm medo de abusar no vestuário, lembrem-se sempre disso. foi se o tempo em que haviam existencialistas em profusão pelos cafés, felizmente sobrou uma ou outra pra revivermos a história. não hesitem em tirar fotos, poderão ser vendidas como raridade!

• dourado – Paris é uma cidade banhada pelo ouro, todos os seus monumentos carregam o metal. eu que não gostava, agora até acho bonito. como dizem, a capacidade do homem em se adaptar é um dos grandes mistérios da natureza, hahahaha! e as francesas simplesmente amam o dourado, usam nas roupas, bolsas, sapatos, écharpes, brincos, anéis, colares. muito, muito ouro, sem medo de ser feliz! se o seu caso são olhos sensíveis, não esqueça de bons óculos escuros!

• botas por cima da calça – julgo desnecessário para quem não vai sair cavalgando pelo Tuileries, mas elas adoram! e eu me pergunto como conseguem fazer canos estreitos engolir tecidos tão grossos, mas essa é a alquimia da mulher francesa!

saia por cima da calça - usar a saia por cima da calça comprida é outro estilo que não sai de moda. aliás, o estilo de saia preferido pelas francesas é o hippie: longa, rodada, de tecido fino, com muita renda, patchwork e preferencialmente padrão indiano. tudo - junto - ao - mesmo - tempo - agora - na - mesma - peça! não vou me estender porque tenho verdadeiro horror por este modelo de saia!

• saia com botas – para muitos brasileiros é um sinal de peruíce, mas aqui toda mulher usa, independentemente de sua idade. todos os saltos são permitidos e todos os modelos de botas idem, é totalmente democrático. as mais idosas não têm o hábito de usar calça comprida, então a bota é a única solução para combater o frio. e eu acho o máximo as velhinhas usando bota com vestido ou saia.

• casaco militar – todo mundo tem um, legítimo, diga-se de passagem. pertenceram realmente aos soldados que lutaram e/ou morreram acreditando ou não na causa de seu país. o motivo desta “moda” é simples: eles custam barato, a partir de 5 euros, e a maior oferta é de casacos do exército alemão. se vê aos montes marchando pelas ruas e eu me pergunto se algum dia Paris deixará para trás os tempos da ocupação...

• cintos – a palavra correta seria cinturão! olhando de longe, Paris parece um desfile de gladiadoras romanas no tempo de Julio César. são hordas e mais hordas de mulheres que carregam largos cintos de 20 centímetros, na cintura ou sobre os quadris, bombardeados de tachas, geralmente naquele tom envelhecido de dourado. dos males, o menor, se usassem o mesmo dourado do Ópera estaríamos todos cegos, hahahaha!

• harmonia de cores – ou, mais precisamente, desarmonia. a conclusão que cheguei foi que a falta de luz, por séculos e séculos durante boa parte do ano, afetou a percepção da cor desse povo a tal ponto que eles desconhecem a intensidade dos tons. então, absolutamente sem nenhuma noção combinatória, usam o verde bandeira com o roxo profundo e o amarelo canário, ou aplicam um laranja gritante, junto do azul cobalto e um rosa forte, como se harmonizassem uma cartela de tonalidades pastéis. dói, é tudo o que eu posso dizer.

• branco – do mesmo jeito que eles exageram nas combinações das cores, os parisienses também, oxalá!, amam o branco. chega a primavera e as vitrines ficam parecendo lojas de umbanda ou de uniformes médicos, hahahaha! como as baianas, que vão lavar a escadaria do Nosso Senhor do Bonfim numa cerimônia de purificação, os franceses também participam de seu ritual de limpeza na primavera, mesmo que agora seja inconscientemente. para quem não sabe, num passado não tão longínquo, os casamentos na Europa eram celebrados durante a primavera, por ser a época propícia para se tomar banho! ou vocês não conhecem o tradicional mês de maio como sendo o tal mês das noivas?

• peles – são um verdadeiro escândalo, no pior sentido da palavra, e se espalham pelas ruas assim que outubro começa. todos os dias vejo várias mulheres com pele e as lojas entupidas de casacos, botas e estolas de vários animais, um verdadeiro horror! felizmente resolveram fazer uma campanha de conscientização mostrando aos franceses como se confecciona um casaco de fourrure e eu gostaria que isso fosse suficiente para conter o consumo, mas não é... as peles de gato e cachorro estão cada vez mais comuns e são baratas. pra vocês terem uma idéia, um casaco de tecido para o inverno ultrapassa facilmente os 100 euros, já um feito com pele de cachorro não custa mais que 100. naquele brechó que eu comentei, no Marais, tinha peles de gato na semana passada, e eram peles de gatinhos de meses ainda, com o rabinho e as patinhas traseiras, uma tristeza de se ver! pisam na cabecinha deles para que morram e possam tirar a pele. a França é um país com 40 milhões de bichos de estimação, sendo que a população conta pouco mais de 60 milhões! não dá pra entender como alguém que ama os bichos possa comprar pele sem se dar conta do sofrimento que aquilo causou. pra mim, definitivamente, isto é o pior, mais selvagem e deselegante do estilo francês!
(quem puder ajudar os gatos do Brasil se informe aqui: http://resgatos.blogspot.com)

mardi, octobre 03, 2006

Os Apuros de Balenciaga

Quem passar por Paris até o final de janeiro não pode deixar de visitar Cristóbal Balenciaga, no Musée de la Mode et du Textile, parte do complexo do Louvre. A exposição está linda e impecável, com vestidos marcantes do estilista expostos à meia-luz. E o melhor: em vários tamanhos! Porque as mulheres têm corpos diferentes e um estilista primoroso precisa saber como deixar uma forma menos delicada elegante. Cristóbal sabia a mágica e a prova está nas vitrines que exibem cerca de 160 peças onde estruturas delgadas acompanham outras decididamente robustas. E são vestidos de condessas, atrizes famosas, mulheres da alta-sociedade, princesas e rainhas. Cristóbal vestiu todo o tipo de corpo com o mesmo esmero!

Um pequeno porto pesqueiro, na cidade basca de Guetaria, foi onde Cristóbal nasceu e passou a sua empobrecida infância. Filho de um pescador e de uma costureira, ele se encantou com o trabalho da mãe, sua primeira professora e incentivadora. E o seu talento era tão especial que, aos 12 anos, desenhou um elegante vestido para a marquesa que morava na mesma cidade de pescadores, mas num palácio que mal cabia em seus olhos de criança. A Marquesa de Torres, apaixonada pelo vestido, se tornou sua grande aliada na carreira como estilista. Cristóbal, então, começou a frequentar o ateliê de um alfaiate de Madri, onde aprendeu os fundamentos da profissão.

A experiência adquirida na alfaiataria permitiu que o purista e classicista Cristóbal, não só desenhasse os seus modelos, mas também os cortasse, armasse e costurasse, o que não é comum entre os estilistas, em geral eles apenas desenham as suas criações. Já repararam como estilistas costumam se irritar quando alguém pergunta se eles costuram? Ofendidos como cães expulsos de igreja eles gritam: EU NÃO SOU COSTUREIRO!!! Balenciaga o era, além de ser ambidestro com tesouras e agulhas. Madame Coco Chanel dizia: “só Balenciaga é um costureiro de verdade, só ele é capaz de cortar bem um tecido, montá-lo e costurá-lo à mão”.

Em 1915 abre a sua primeira maison, em San Sebastian, cidade vizinha à Guetaria. Visita Paris regularmente e compra modelos de Elsa Schiaparelli e Madeleine Vionnet, dos quais estuda a construção. O sucesso não demora e, em pouco tempo, muda-se para Madri. Nesta época ele possuía duas butiques na capital espanhola e uma outra em Barcelona. Vestia, entre outros, membros da família real, da aristocracia espanhola e de Francisco Franco, o ditador cuja amizade deve tê-lo salvo de maus momentos em sua terra natal. Cristóbal era gay e partiu da Espanha antes da Guerra Civil começar. Hitler apoiava Franco, o fascismo não aprovava homossexuais, a Espanha fingia ser neutra mas estreitava os laços com o Führer, enfim o mundo começava a se transformar no inferno que desencadearia a 2ª Guerra Mundial. Cristóbal se refugiou em Londres, mas não por muito tempo, o seu destino era Paris, onde permaneceu até 1968.

Com dinheiro oferecido por alguns amigos, ele consegue abrir a sua famosa maison na avenue George V. Contava 42 anos e era um homem discreto, exigente, de charme irreparável e elegância refinada. Em 1937 apresenta a sua primeira coleção e uma década antes do “New Look”, de Christian Dior, que também revolucionaria a moda, as suas criações ganhariam a clientela de ricos e famosos ao redor do mundo. Balenciaga vestiu, entre tantas outras notáveis, a Rainha da Bélgica, a Duquesa de Windsor, a Princesa Grace de Mônaco, Jacqueline Kennedy e Audrey Hepburn, que viria a se tornar a musa incontestável de Hubert de Givenchy.

Desde as suas primeiras coleções, este autodidata impôs o seu estilo pela perfeição de seu corte, que se tornou lendário. A base de suas criações repousava em linhas clássicas. Criou várias silhuetas para a mulher, experimentou proporções e cores sempre com resultados surpreendentes, até dramáticos. Influenciado pela cultura de seu país, Cristóbal se inspirou e impregnou seus modelos de Espanha: capas de toureiro, vestidos de “infanta” (as jovens princesas espanholas), a audácia na cartela de cores que abraçava do negro profundo às tonalidades levemente ácidas. Por sua arte singular ganhou o título de “Rei da Couture Parisiense”.

Foi patrão e mestre de André Courrèges e Emanuel Ungaro, amigo de Hubert de Givenchy. Celebrado por todos os seus colegas como símbolo de perfeição, empregou toda a sua vida para explorar as técnicas de costura que ele possuiu no mais alto grau. Christian Dior, seu concorrente famoso, o chamou de “mestre de todos nós”. Balenciaga, severo, gostava de dizer: “um bom costureiro deve ser arquiteto para os projetos, escultor para a forma, pintor para a cor, músico para a harmonia e filósofo para as medidas”. Ele jamais concedeu uma única entrevista, jamais permitiu que a imprensa fotografasse os seus desfiles, era um homem espartano que nem relógio usava. Parece que se entusiasmava com os belos alemães que cercavam Paris. Como culpá-lo?

Em fevereiro de 1968, após ter apresentado a sua última coleção, Cristóbal fecha com discrição a sua maison em Paris e parte rumo à aposentadoria, na Espanha. Dizem que a estilosa e très chic Condessa Mona Von Bismarck, chorou lágrimas de sangue durante 3 dias e 3 noites com gana de se matar, só em pensar que o seu invejável e faustuoso closet estaria desamparado sem Balenciaga. Na exposição vários são os vestidos de seu acervo pessoal.

Cristóbal Balenciaga morre aos 77 anos, em 1972, na costa espanhola do Mediterrâneo, logo após entregar a sua última criação: o vestido de casamento da Duquesa de Cádiz, neta de Francisco Franco. Uma antiga e saudosa cliente oferece como epitáfio: “as mulheres não precisavam ser perfeitas ou belas para vestir as suas roupas, suas roupas as tornavam perfeitas e belas”.

Guetaria, a cidade que o acolheu no primeiro respiro, também abrigará o seu museu, no Palácio Aldamar, a partir do ano que vem. O palácio, antiga residência dos Marqueses de Casa Torre (pais da Rainha Fabiola da Bélgica), foi onde Cristóbal Balenciaga arrematou o seu primeiro passo no mundo da alta-costura e para onde retorna como único e eterno soberano.